terça-feira, 27 de abril de 2010

Crônica: Viagem de caminhão

VIAGENS PARA SALVADOR, POR TERRA, DE CAMINHÃO.

Na segunda metade dos anos 1950 uma das alternativas de transporte para os jovens xiquexiquenses que estudavam em Salvador era a viagem por terra, feita sobre a carroceria de um caminhão, ante a inexistência de uma linha de ônibus saindo de Xique Xique (BA). Não se podia confiar no transporte fluvial feito nos vapores até Juazeiro (BA), viagem mais confortável e mais divertida, ante a irregularidade da chegada dessas embarcações ao porto de Xique Xique. Essa situação ainda era agravada pelo fato de ficarmos sujeitos a mais um trajeto de trem a partir de Juazeiro (BA). E, finalmente, o avião, que nessa época fazia escala duas vezes por semana em Xique Xique, era uma alternativa que somente os poucos ricos poderiam se dar ao luxo. A viagem por terra, no entanto, era muito comprida e sofrida, pois a gente passava mais de 3 dias viajando para percorrer os 600 km que separam Xique Xique de Salvador, em total desconforto, em cima da carroceria e sentados sobre sacarias numa estrada sem pavimentação um pouco melhor que carroçável, cujo percurso passava pela cidade de Jacobina (BA), via Serra do Tombador, situada na Chapada Diamantina.
O comum era fazermos a viagem no caminhão de Custódio que, na época apropriada preparava uma meia carga de sacos de mamona e de milho, para que a rapaziada pudesse viajar com menos desconforto e um pouquinho de segurança. Feita a meia carga que não ultrapassava a altura da grade da carroceria, uma dezena de estudantes ali se acomodava e se preparava para uma viagem de pelo menos 3 dias sob sol, chuva e espinhos de jurema nos locais em que a estrada ficava mais estreita.
Pois bem, chegado o tempo do retorno para Salvador saíamos de Xiquexique, às 5 horas, sentados sobre a carroceria de um caminhão à meia carga, na maioria das vezes dirigido por Chiquinho de Bibi, desenvolvendo uma pequena velocidade, imposta pela péssima estrada de rodagem e pela preciosa carga que estava sobre a carroceria. A preocupação inicial era com a travessia do Rio Verde, feita sobre uma precária ponte de madeira e que se desse alguma chuva e o rio pegasse água, a travessia do caminhão ficava bastante perigosa. De qualquer forma, chegando ao povoado do Rio Verde, saltávamos da carroceria para que o caminhão fizesse a transposição da pequena ponte apenas com o motorista. A gente, na maior algazarra, atravessávamos a pé.
Depois do Rio Verde a próxima parada era na cidade de Central, a uma distância de 90 km de Xique Xique, que, no tempo dessas nossas viagens ainda era um Distrito de Xique Xique. Entre Rio Verde e Central havia um pequeno trecho de não mais de 10 km, que era o pavor dos caminhoneiros. Nesse pequeno pedaço de estrada predominava uma argila muito forte que, caso estivesse chovendo era um atoleiro após o outro. Em muitos casos para se retirar o caminhão eram usadas juntas de bois de carro e até mesmo tratores, tal a violência do lamaçal. No verão, sem os atoleiros, esse trecho também preocupava os motoristas, pois o barro de louça ao secar, deixava sulcos profundos e endurecidos que somente permitia o tráfego em baixíssima velocidade. Nesse pedaço da estrada fosse verão ou inverno, era grande a dificuldade e o tempo para atravessá-lo. Com mais um pouquinho de paciência estaríamos chegando a Central na hora do almoço após gastar mais de 6 horas percorrendo 90 km, isso em condições de viagem normal.
Ali numa pequena pensão com modestíssimas acomodações, ainda iríamos esperar que fosse feito o almoço, geralmente composto de galinha caipira, cria da própria dona do restaurante, arroz e feijão.
Depois do almoço seguíamos viagem em direção à Morro do Chapéu onde esperávamos passar a noite. Nesse trajeto passávamos pela cidade de Irecê e alguns dos seus distritos e, já no sopé da Chapada diamantina, deparávamos com outro afluente do Rio São Francisco chamado de Vereda do Jacaré, também servido por precária ponte tão ruim quanto a do Rio Verde. Transposta a ponte começávamos a subir a Chapada Diamantina em direção à cidade de Morro do Chapéu que fica a uma altitude de 1.000 metros sobre a Chapada. Nessa cidade, que representava 1/3 da viagem, deveríamos jantar e passar a noite. Era quase um choque térmico a fria temperatura de Morro com a de Xique Xique. O difícil era acordar no dia seguinte às 5 da matina para enfrentar o resto da viagem, em cima da carroceria do caminhão e sem agasalhos. Logo, logo começava-se a descer a Chapada Diamantina em direção à cidade de Jacobina, já nesse tempo uma das maiores da região. Antes de Jacobina ainda iríamos enfrentar a Serra do Tombador, descida precária e muito perigosa com grandes despenhadeiros a espreitar o motorista. Após a descida do Tombador, o que era feito com muita cautela, principalmente se estivesse chovendo, chegaríamos a Jacobina onde uma melhor refeição, em restaurante decente, estaria nos esperando.
A partir de Jacobina as condições da viagem melhoravam consideravelmente principalmente a estrada que, mesmo sem pavimentação asfáltica se apresentava com boa terraplanagem permitindo um maior deslocamento do caminhão. Após o almoço seguíamos em direção a cidade de Riachão do Jacuípe, onde jantaríamos e passaríamos a noite, no segundo dia de viagem.
Dia seguinte no mesmo horário às 5 da matina, saíamos para Feira de Santana(BA) grande cidade já naquela época, onde a partir daí a estrada já era asfaltada e se podia chegar a Salvador à tardinha do terceiro dia de viagem. Essa era a viagem que a gente fazia para Salvador quando no final das férias retornávamos para os colégios. Nessa época nem se falava em estrada boa quanto mais em asfalto o que somente veio ocorrer nos anos 70.









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