sábado, 15 de maio de 2010

Crônica: OS ESTUDANTES


OS ESTUDANTES

Na década de 1950 o único curso existente em Xique-Xique(BA) era o Primário, por todos frequentado nas Escolas Reunidas Cézar Zama, também conhecida como “O PRÉDIO”, único grupo escolar estatal.
Por isso, quem quisesses continuar os estudos e concluir o ginásio e o segundo grau para poder fazer o vestibular teria que ir estudar em outra cidade. A preferência era por Salvador, mas, muitos estudaram na cidade da Barra (BA), na cidade de Senhor do Bonfim (BA) e na cidade de Petrolina (PE), tendo como principal motivo as limitações financeiras dos pais. Esses jovens que tinham a felicidade, a sorte e o privilégio de saírem de Xique-Xique para estudar fora eram, genericamente, denominados de ESTUDANTES.
Naturalmente, naquele tempo onde reinava a pobreza no meio da grande maioria da população, sair de Xique-Xique para estudar em outra cidade, mesmo na vizinha Barra era uma proeza só permitida para os tidos como ricos locais. E aí fica a questão: como não existiam ricos, mas apenas poucos comerciantes remediados e esforçados, como se explica que um grande número de jovens xiquexiquenses foi estudar o ginásio e o científico em outras cidades, principalmente em Salvador? A resposta está no instituto da “Bolsa de Estudos”, principalmente as bolsas federais, geralmente obtidas por intermédio de um político e que se destinavam a alguém, sem condições financeiras, que quisesse estudar e que fosse da sua ala política. Foram essas “bolsas de estudos” que permitiram grande número de jovens xiquexiquenses continuar os estudos em outra cidade.
Mas, o que mais caracterizava a juventude de Xique-Xique naquela década, independente da situação financeira dos pais, era a disposição que tinham para estudar. O sonho maior de qualquer jovem era poder continuar os estudos além do curso primário, nem que fosse na cidade da Barra no ginásio do Sr. Elísio Mourão, uma pequena instituição particular que fazia concorrência com o colégio Santa Eufrásia, das freiras. Talvez essa generalizada vontade de estudar tenha explicação no fato de que antes, nas décadas de 1930 e 1940, quando existia uma elite rica que ganhara muito dinheiro vendendo cera de carnaúba durante a segunda grande guerra, os filhos desses fazendeiros foram estudar em Salvador e até mesmo no Rio de Janeiro e isso deve ter influenciado a geração dos anos 1950 para, também, ampliar os estudos além do curso primário.
Podemos afirmar, sem medo de errar que os jovens que estudavam em outras cidades, somavam pelo menos 50 (cinqüenta) rapazes e moças que passavam o ano internos e internas nos colégios de padres e de freiras somente retornando a Xique-Xique nas épocas das férias letivas no meio e no fim de cada ano. E, esse número tem uma grande representatividade se levarmos em conta que Xique-Xique na década de 1950 era uma pequenina cidade do interior baiano, com não mais que 5.000 habitantes, sem energia elétrica, sem ligação rodoviária com a capital e dispondo de apenas uma escola primária estadual.
A estudantada interna nos colégios, sem dinheiro e sem opção de se divertir nas cidades onde estudavam, passava o semestre com a idéia fixa de voltar a Xique-Xique para desfrutar ao máximo nas férias letivas. Para a gente, naquele tempo, as férias em Xique-Xique era a melhor coisa do mundo. Não tinha programa que conseguisse desviar um dos estudantes das suas férias na cidade.
Devido á escassez de opção de transporte, geralmente os estudantes chegavam, normalmente, quase juntos, pois tínham que aproveitar ao máximo os transportes que se apresentavam. Quando chegavam de Salvador, as meninas que na grande maioria estudavam no Colégio Santa Eufrásia da Barra, já estavam todas na cidade devido à proximidade do colégio. Com a chegada dos estudantes, tinham início as animações a começar pela movimentação no jardim da Praça D. Máximo que nas férias ficava repleto de moças e rapazes adolescentes.
Essa movimentação começava no máximo, às 19 horas e ia até as 22 horas, quando o motor da “usina” dava o segundo sinal avisando que a luz ia se apagar. Mas, era tempo mais do que suficiente para dar uma voltinhas no jardim, namorando ou simplesmente batendo um papo com os amigos e amigas para logo seguir em direção à pensão de D. Hermínia Bessa, cujos netos também estudavam em Salvador, que tinha a maior alegria em receber os estudantes em sua modesta pensão, afastar os móveis da sala, ligar a radiola e nos ver alegres e dançando. A pensão de D. Hermínia Bessa já foi objeto de matéria no Blog XIQUEXIQUE no dia 10.out.2009.
A dança, quase diária, na pensão de D. Hermínia somente era dispensada quando, a Diretoria do Clube Sete de Setembro, atendendo aos insistentes pedidos dos jovens se dignava a favorecê-los com a abertura do clube que, nessa época, já dispunha de alguns discos mais novos do que o repertório surrado da Pensão de D. Hermínia. Mas, nem sempre a gente conseguia abrir a “Sete” e tinha mesmo que nos conformar com os discos da pensão compensados com a boa vontade de D. Hermínia.
Assim era a vida dos estudantes xiquexiquenses naqueles idos de 1950. Passavam todos os dias das férias sem nada fazer de novidade naquela pequenina cidade. Pela manhã, quando o rio estava cheio, a distração era pular do cais. À tarde a turma ficava jogando sinuca, pescando ou conversando com os amigos no jardim, à tardinha, quando o sol esfriasse um pouco e à noite, a partir das 19 horas já estavam circulando pelo jardim de mãos dadas com a namorada, dançando na pensão de D. Hermínia ou na “Sete”, até as 22 horas. Eram coisas muito modestas, mas que davam muitas alegrias. Praticamente não se fazia uso diário de bebidas alcoólicas e as brincadeiras eram sadias, pois meninos e meninas se conheciam desde pequenos, quando estudantes do primário no “Prédio” e tinham a maior consideração uns com os outros. Os namoros limitavam-se a pegar na mão, um beijinho apressado e excepcionalmente, uns amassos muito discretos. Essa era a vida de estudante em Xique-Xique. Eram felizes.

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