sábado, 22 de maio de 2010

Crônica: Festa do Divino Em Xique-Xique (BA)



FESTA DO DIVINO

Domingo passado, dia 23 do mês em curso, a Igreja Católica celebrou uma das mais importantes festas religiosas: O PENTECOSTES, a descida do Divino Espírito Santo, sob a forma de línguas de fogo, sobre os Apóstolos que estavam trancados com medo dos judeus, ocasião em que todos ficaram cheios da Graça Divina e começaram a falar em outras línguas (At 2,1-4).
Essa festa religiosa, movel, é, principalmente nas cidades do interior, conhecida como a FESTA DO DIVINO, foi trazida pelos portugueses por ocasião da colonização e a forma como era feita no sec. XVI, teve grande aceitação e penetração em todo o interior do Brasil.
No meu tempo de menino em Xique Xique (BA), nos anos 1950, a festa do Divino, promovida pela Igreja Católica e que acontecia geralmente no primeiro semestre de cada ano, era uma das mais importantes perdendo apenas para a do Senhor do Bonfim, padroeiro da cidade.
Mas, essa festa, ao lado do caráter religioso, tinha, também, um lado profano, muito especial que, de modo geral, rivalizava com o sagrado, principalmente pela importância que os fieis atribuiam aos imponentes personagens que da festa perticipavam. Mas essa participação popular não empanava a importância liturgica do evento que estava sendo celebrado e, se o Pároco concordava com a manifestação em paralelo era simplesmente para não contrariar uma tradição popular e religiosa dos xiquexiquenses.
O lado profano da FESTA DO DIVINO era representado pela eleição, no final da Missa de três cidadãos da cidade que seriam os responsáveis pela realização da festa no ano seguinte e alvo das manifestações populares.
A primeira e mais importante eleição era a do IMPERADOR DO DIVINO, principal responsável pela preparação e realização da festa, devendo ser, ao mesmo tempo, seu maior investidor e aquele através de quem a cidade iria prestar suas homenagens ao Espírito Santo de Deus. O "Imperador" era tido como uma espécie de representante temporário do Divino Espírito Santo, e por isso se torna objeto de todas as homenagens e deferências durante os festejos. Por isso, o momento principal se dá com a “Coroação do imperador”, normalmente representado por um filho do cidadão eleito, solenidade que acontecia no início da Missa festiva do Divino. É também o momento em que a sociedade local estabelecia os termos rituais da continuidade da festa do Divino, de modo solene, ao estabelecer a passagem de um “ano imperial” para outro .
Bem antes de iniciar a importante Missa da festa de Pentecostes, a população da cidade se aglomerava na porta da Matriz para receber o "imperador" e seus vassalos que chegavam exuberante e ricamente trajados, montados em bonitos cavalos dos quais desmontavam na porta do Templo. A partir daí o "imperador", seguido dos vassalos, adentrava à Igreja, sobre longa passarela vermelha para, sentado em trono ricamante decorado, assistir à Missa Solene. Durante toda a missa esse personagem era objeto de intensa curiosidade por parte da população que atingia o clímax, no final da missa com o sorteio, para o ano seguinte, do novo "imperador" e seus vassalos.
Junto com o “Imperador” sorteavam-se, também, o Guarda Bandeira e o Capitão do Mastro.
O Guarda Bandeira recebia no ato do sorteio uma bandeira de seda vermelha ilustrada com o bordado de uma pomba branca representando o Divino Espírito Santo. O Guarda era o responsável pela conservação e manutenção (incluindo reformas) da Bandeira. Durante o ano a Bandeira percorria toda a cidade, visitando casa por casa sendo essa visita muito querida e esperada pelos fieis pois, simbolicamente, representava a visita do Espírito de Deus. Além do aspecto religioso, o que causava muitas alegrias aos residentes, a visita tinha também o objetivo de arrecadar alguma contribuição em dinheiro, dos que podiam dispor de alguma quantia, para o custeio da festa do Divino.
O Capitão do Mastro era o responsável pela guarda, manutenção e conservação do mastro durante um ano, para, quando do início das novenas da festa do Divino enterrá-lo na porta da Igreja. O mastro era um tronco de árvore com mais de 20 metros de altura, pintado de vermelho e encimado por uma bandeira do Divino que passava 9 dias tremulando em frente à Igreja.
O Imperador e seus vassalos, o Guarda Bandeira e o Capitão do Mastro eram os cidadãos mais importantes da cidade na época da Festa do Divino, sendo que o primeiro se encarregava de patrocinar a missa, a procissão do Divino e, após as solenidades religiosas, oferecer aos fiéis um lauto almoço na sua residência para o qual eram convidados as pessoas que estavam dentro do círculo de amizade desses tres personagens.
Algumas pessoas queixavam-se, sem fundamento, de que o sorteio do "imperador", sempre recaia sobre uma família rica da cidade. Sou testemunha de que algumas vezes o "imperador" sorteado não fazia parte da elite financeira. Explica-se pela forma como é feito o sorteio. Com uma certa antecedência as famílias que desejavam participar da escolha do "imperador", apresentavam ao Pároco o seu nome para constar de uma lista de candidatos. No dia da festa, no final da Missa o sorteio era feito somente entre aquelas famílias que externaram o desejo de serem, por sorteio, o "imperador" na festa do ano seguinte.
Todavia, não obstante a importância que se dava ao escolhido bem como o carisma que cercava o "imperador" principalmente quando aparecia devidamente paramentado na porta da Igreja no dia da festa, o lado religioso do evento, quando se comemora a descida do Espírito de Deus sobre os Apóstolos que estavam trancados e com medo dos judeus, sempre teve muita importância para os xiquexiquenses que com espírito contrito e cheios de fé demandavam em massa para a Missa solene da Festa do Divino, com destaque especial para D. Apolinária (D. Pulú) que, com grande espiritualidade e muita religiosaidade se encarregava da parte liturgica de todas as comemorações religiosas levadas a efeito pela Igreja Católica de Xique-Xique.

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