segunda-feira, 26 de julho de 2010

Crônica: Festa de Sant'Ana na Ilha do Miradouro em Xique-Xique (BA)



FESTA DE SANT'ANA DO MIRADOURO
Juarez Chaves
Não sei se a população de Xique-Xique ainda comemora o 26 de julho, dia de Senhora Sant'Ana, padroeira da comunidade residente na Ilha do Miradouro. Mas, na década de 1950 era uma das principais festas religiosas do Município, ansiosamente esperada por todos os moradores. Até rivalizava com a festa de Sant'Ana celebrada em Gameleira do Assuruá, comunidade serrana situada a 60 km de Xique-Xique e que atraia grande parte dos xiquexiquenses e gameleirenses. Era dia de muita reza para os adultos e de muita diversão para as crianças.
A Ilha do Miradouro é uma das principais ilhas pertencentes ao arquipélago que circunda a cidade de Xique Xique (BA). Conta a tradição que no ano de 1690, quando ali já existia um pequeno povoado e era costume festejar Senhora Sant'Ana, numa pequena capela, ainda existente (vide foto), Dona Inácia Araújo Pereira, viúva do português Dias d’Ávila, faz a doação da Ilha do Miradouro, que estava dentro da sua propriedade, para patrimônio da referida Santa.
Quando eu me entendi como gente, lá pelos idos dos anos 1950, a Ilha do Miradouro já pertencia a um rico fazendeiro de Xique Xique, que, mesmo residindo em outra cidade nunca criou impecilhos impedindo o acesso à Ilha, para a festa de Sant'Ana, no dia 26 de julho de cada ano.
Os festejos começavam, na realidade, no dia 18 de julho quando se iniciavam as novenas, que eram freqüentadas pelas pessoas residentes na Ilha do Miradouro e nas outras ilhas próximas. O dia mais animado e que contava com participação do povo de Xique Xique era o 26 de julho. Nesse dia as pessoas almoçavam mais cedo, pois, logo após, ainda com o sol das 14 horas, bastante quente, iniciava-se a romaria em direção à capelinha de Senhora Sant'Ana.
Minha Mãe, católica fervorosa, em companhia da sua genitora e de suas irmãs, nunca perdeu a festa em homenagem à Sant'Ana do Miradouro, mesmo tendo que percorrer, a pé, uma distância de mais de 5 km, percurso considerável levando-se em conta que era feito em pleno sol das 15 horas.
Chegando na Ponta da Ilha, localidade que fica em frente à Ilha do Miradouro, tínhamos que atravessar um pequeno braço do rio dentro de uma embarcação conhecida como paquete, uma espécie de canoa mais elaborada. Essa travessia sempre era feita no paquete de João Bandolim, pescador e canoeiro de confiança da família e que era casado com uma afilhada de minha avó materna.
Feita a travessia, coisa rápida e que não levava mais do que 20 minutos, tínhamos que caminhar, ainda uns 4 km até chegar ao pequeno povoado onde está localizada a Igreja de Senhora Santana ultrapassando os obstáculos como cercas, porteiras e muita areia e, mesmo assim, a minha avó materna, já com mais de 80 anos, nunca demonstrou cansaço nessa caminhada. Acredito que era na fé e na felicidade de rezar aos pés de Senhora Sant'Ana que ela encontrava forças para fazer a caminhada até a igreja, uma capelinha bastante modesta pintada de azul e com destaque para a imagem de Senhora Sant'Ana no altar principal. Em lá chegando, minha avó, acompanhada das filhas, ajoelhava-se ante a imagem da Santa e rezava o seu rosário (3 terços) pedindo saúde, felicidade e paz para toda a sua família.
A Igreja era circundada por vários seculares tamarindeiros que forneciam uma enorme sombra sob a qual a meninada se reunia para as brincadeiras enquanto os pais e avós rezavam. Era uma festa e a brincadeira consistia em colher jatobás e tamarindos além de irmos praticando a pontaria da baladeira mirando as lagartixas e passarinhos que se encontrava pelo caminho. Ainda não existia a consciência ecológica. Com era época da safra de tamarindos já chegávamos com um estoque de sal de cozinha para comer com tamarindo verde, que com pouco tempo tornava os nossos dentes totalmente embotados.
Terminada a reza do rosário, do ofício de Nossa Senhora e de algumas outras rezas dirigidas à padroeira Senhora Sant'Ana, já com o sol descambando anunciando a hora do ângelus, minha avó, com a mesma disposição da chegada anunciava a hora do retorno e juntos, como viemos percorríamos o caminho de volta até a beira do rio onde João Bandolim lá estava, com a fidelidade e cortesia de sempre, a nos esperar para mais uma travessia para Xique Xique.
Desejo registrar que os membros da família de Têra, minha mulher, dificilmente participavam da festa de Sant'Ana do Miradouro, pois como eram originários de Gameleira para lá se dirigiam com a antecedência que desse para participarem das novenas, preferindo assim, homenagear a Avó de Jesus em clima serrano a uma temperatura de 15 °. Ultimamente, há cerca de 5 anos, também aderi à festa de Sant'Ana na Gameleira, desde que a rodovia de 60 km que liga Xique-Xique àquela comunidade foi pavimentada com asfalto. Sobre a festa de Sant'Ana da Gameleira, publiquei crônica no dia 25 de julho.
No entanto, o que sempre me intrigou na festa de Sant'Ana do Miradouro foi a falta de um padre para celebrar, pelo menos no dia 26 de julho uma missa em honra da avó de Cristo. Não me lembro de ter visto algum pároco de Xique Xique se dispor a atravessar o rio, como os fiéis e naquela Igreja centenária presidir alguma celebração religiosa.

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