sábado, 21 de agosto de 2010

CARTA ABERTA



Meus amigos,
Reiteradas vezes tenho afirmado que o Blog XIQUEXIQUE não tem viés político partidário e, realmente, tenho mantido a linha nesse sentido. No entanto, mesmo sem ideologia político-partidário, não posso ficar indiferente a determinados artigos que surgem na imprensa com o objetivo de orientar e instruir os leitores. Quando isso acontece, tenho o maior prazer em publicá-los no Blog XIQUEXIQUE, pois, sou, como qualquer humano consciente, um animal pensante e político.
É o caso, por exemplo do artigo "CARTA ABERTA AOS AMIGOS E INIMIGOS", do jornalista carioca BRUNO RIBEIRO que escreve para o jornal Correio Popular e possui o blog Botequim do Bruno, que a transcrevo integralmente.
Por isso, peço aos leitores que tenham um pouco de paciência e leiam essa matéria, cuja importância e substância compensa a impressão de ser longa.

Juarez Morais Chaves



Carta aberta aos amigos e inimigos .
OU.O PARTO BRASILEIRO
..Meus caros:Faz tempo que eu vinha cultivando a ideia de escrever sobre aquela que, no meu entendimento, tem sido a maior contribuição do governo Lula ao País: a polarização da sociedade. O tema é polêmico, mas necessário.Hoje, duas leituras me fizeram tomar a decisão de escrever sobre o assunto: o texto que meu mano Eduardo Goldenberg escreveu e publicou em seu
Buteco do Edu; e os comentários fascistas que os leitores d´O Globo deixaram no site do jornal sobre os investimentos milionários que o governo federal, através do PAC, está fazendo nas favelas cariocas.Quero, inicialmente, destacar o que publicou Edu em seu blog: .“O país, como há muito não se via, está dividido, e acho também uma tremenda graça quando tentam latir que esse papo de luta de classes (…) acabou. E a divisão é braba, é nítida e revoltante”. .Da última vez que nos vimos, quando de sua vinda a Campinas, conversamos sobre a divisão que a chegada de Lula ao poder inaugurou entre nós. Antes, me lembro bem, todos eram contra o governo. O hábito de reclamar do País, embora justificado quase sempre, não deixava de ser uma forma de criar uma sensação de solidariedade entre as classes ou, pelo menos, de uma falsa igualdade calcada no sofrimento coletivo.Todos eram contra o governo: aqueles que haviam votado nele, com medo do Lula, e aqueles que haviam votado no Lula, querendo mudanças. Durante décadas convivemos com o chororô geral: a classe média reclamava daqui, o pobre reclamava de lá, e nada fazia sentido. Ninguém estava satisfeito, mas também não assumia a culpa. Tanto é verdade que a coisa mais difícil do mundo é encontrar alguém que tenha votado em Collor e FHC. ..A vitória de Lula, em 2002, inicia um novo período em nossa história. Não só porque foi o primeiro operário a chegar ao poder no Brasil, mas porque realizou um excelente governo, muito melhor a todos os que o antecederam. Queiram ou não os críticos deste governo, esta constatação é amparada pelos fatos e pelos índices de crescimento do País.Ao contrário do que sempre disseram os analistas e os céticos de plantão, o atual governo do PT provou que o crescimento econômico não precisa estar dissociado da redução da pobreza. Indicadores da ONU mostram que o Brasil caminha para ser, até 2014, a quinta economia mundial, superando países europeus como França e Inglaterra. Apesar disso, ou por causa disso, os programas sociais do governo Lula são reconhecidos internacionalmente e estão sendo adotados em vários países. .Projetos assistenciais movimentaram a economia interna e quase 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza para ascender à classe média. Outros 20 milhões conseguiram sair da miséria e ingressaram na classe D, que atualmente é o segundo maior grupo de consumo da economia brasileira. É como se, nos últimos oito anos, o governo brasileiro tivesse erradicado a pobreza em 10 países do tamanho do Uruguai. .Mesmo diante de números impressionantes, uma parcela minoritária da população (algo em torno de 4% ou 5%) avalia o governo Lula como ruim ou péssimo. Suponhamos que, deste montante, metade tenha uma opinião negativa devido à alienação política, uma infeliz realidade que atinge todas as classes sociais. A outra metade, provavelmente, é formada por pessoas que detém uma visão de mundo conservadora ou reacionária mesmo.É deste grupo, pequeno, mas perigoso, que vêm as mensagens apócrifas e ofensivas que recebemos diariamente em nossa caixa de emails. Via de regra, tais mensagens refletem o ódio aos pobres acalentado pela elite (e reproduzido por setores da classe média que se identificam com ela): na impossibilidade de atacar as conquistas do governo Lula, eles fazem uso do preconceito para desqualificar o presidente (o analfabeto) e difamar a sua candidata, Dilma Rousseff (a terrorista).



[Charge preconceituosa travestida de humor político: a falta de respeito da elite encontra respaldo na imprensa]
.Nunca achei que este governo fosse o suprasumo da correção e da honestidade. Se a direita quisesse fazer uma crítica séria ao Lula, poderia, digamos, usar argumentos como
estes, dados pelo Leandro Fortes. Mas ela prefere futilidades: a falta de diploma, a falta de um dedo, o gosto pelo futebol e pela cachaça, a amizade com líderes de esquerda, a solidariedade para com países pobres etc. .Este grupo minoritário nos passa a impressão de que não lhe interessa o destino do País. Como não se sente parte da nação e odeia o povo brasileiro, o problema não é o "mensalão petista", as "alianças espúrias do governo" ou o "apoio às ditaduras" que tanto criticam. Estas são meras desculpas para justificar seu festival de preconceitos. Para a elite pouco importa se o Brasil vai bem ou vai mal. O que a incomoda, de fato, é constatar que Lula, um nordestino de origem pobre, é o seu presidente. .Isto fica evidente quando nos deparamos com situações como a exposta no Buteco do Edu: “Outro dia, num buteco qualquer da Tijuca, um sujeito disse, no balcão, defendendo a candidatura tucana, literalmente: "Depois de oito anos com esse analfabeto com pena de pobre no poder tenho que ouvir a porra da minha empregada pedir DVD emprestado pra ver em sua casa, porque agora pobre parcela tudo e pensa que é gente como a gente".Essa semana, presenciei algo parecido. Estava com minha garota numa pizzaria e, ouvidos sempre alertas na conversa ao lado, escutei o seguinte comentário de um homem de meia idade, um tipo mouro que pensa ser branco: "Não vou votar nessa Dilma. Depois que esses petistas tomaram o poder, os pretos estão entrando na universidade. Daqui a pouco vão querer a presidência também. Isso aqui vai virar uma senzala". Risinhos espocaram na mesa.Os comentários acima são feitos amiúde, todos os dias, em todos os lugares, por pessoas que não tiveram qualquer prejuízo com o governo Lula e, mesmo assim, não o perdoam por ter chegado lá. No ambiente de trabalho ou diante de desconhecidos, evitam dar opiniões contundentes, são polidas e dizem que "não discutem política" e "não brigam por causa desses corruptos". Preferem passar a imagem de alienados, tolerantes, bonachões. Mas, quando se sentem à vontade entre os seus iguais, mostram quem são realmente.Durante muitos e muitos anos, as pessoas racistas e preconceituosas estiveram entre nós, destilando confortavelmente seu ódio de classe sem que ninguém lhe apontasse o dedo na cara. O que fez o governo Lula foi evidenciá-las, jogá-las sob a luz de um holofote imaginário. A enorme aprovação popular do governo nos levou a tomar uma posição, queiramos ou não. Emir Sader, em um artigo, lembrou que, hoje, podemos dizer: “Diga-me o que tu achas do Lula e eu te direi quem tu és”.Não nos espanta que, entre os porta-vozes do grupo minoritário estejam jornalistas da chamada grande mídia, colunistas pagos para falar mal do governo e políticos que se dizem ex-esquerdistas, como Roberto Freire e Fernando Gabeira. Não são inocentes, mas bastante úteis aos interesses do pensamento elitista que sempre pautou a agenda nacional desde o fim da era Vargas. Ser conservador é uma opção política legítima. Ser canalha é um desvio moral.Esta é a única explicação possível para a recente declaração de Gabeira, que ao comentar as obras do PAC numa favela carioca, disse que elas apenas ajudariam a fortalecer o tráfico de drogas no Complexo do Alemão. Gabeira certamente não subiu o morro, não sujou os sapatos de barro e nem conversou com os moradores para dizer uma barbaridade como esta. .


[Simulador mostra a favela da Rocinha depois das obras do governo]
Esta, contudo, não é a opinião isolada de um político excêntrico: ela reflete a visão de mundo de seu eleitorado, um tipo de gente que, ante qualquer iniciativa que possa levar um pobre a ascender socialmente, entra em desespero e parte para a agressão pura e simples, provando que Marx estava certo ao dizer que a luta de classes é o motor da história. .Na segunda-feira, em evento que contou com a presença de Lula e Dilma, o governo federal entregou, diante de milhares de pessoas, as
obras de infra-estrutura que vão melhorar as condições de vida na favela da Rocinha, a maior e mais populosa do Rio de Janeiro. Além do saneamento básico que cobrirá 100% do morro, foram entregues novos conjuntos habitacionais, um hospital, um centro de referência, um centro esportivo com quadras e piscina e uma elegante passarela projetada por Oscar Niemeyer. .A notícia foi publicada no site d´O Globo e alguns comentários deixados pelos leitores me chocaram especialmente. A maioria girou em torno do mesmo discurso: que o investimento na favela era injusto porque privilegiava um segmento social que "não paga impostos", "não se esforça para sair da miséria", "está aliado ao tráfico", "não saberá usufruir" e aberrações piores, que prefiro não mencionar.Os editores d´O Globo devem sentir um prazer mórbido ao debochar de quem nada tem ou tem muito pouco. Só isto explicaria a aprovação de comentários fascistas e racistas, alguns incitando a violência. Publicá-los chega a ser um atentado contra a dignidade humana, mas eles dizem ser “liberdade de imprensa”.Como entender alguém que acha normal a existência de milhões de pessoas abandonadas pelo poder público? E quando o poder público começa a olhar para essa gente esquecida, como entender alguém que lhe faça oposição neste sentido? Como ser contra o saneamento básico, a creche, a escola, o hospital e as áreas de convívio pelo simples fato de que há traficantes morando na favela? Como entender alguém que vê o morador como um bandido em potencial, quando a esmagadora maioria da população é formada por gente honesta e trabalhadora?.Imaginemos que as críticas sejam ideológicas ou partidárias. Ainda assim não são aceitáveis. Como é que alguém, em nome de uma candidatura ou de um partido, pode ser contra a realização de obras que vão beneficiar o seu próprio povo? Ninguém deve estar acima dos interesses nacionais. Eu, por exemplo, nunca deixei de reconhecer as virtudes do presidente Fernando Henrique – que foram poucas, mas existiram.A grande contribuição do governo Lula foi ter nos separado. Alguns poderão dizer que a divisão política da sociedade é uma ameaça à democracia. Eu vejo diferente: quando a nossa visão de mundo está clara, a democracia se fortalece. E se fortalece porque nos obriga a participar da vida política do país, a lutar por nossos direitos e a identificar, entre nossos amigos e conhecidos, aqueles que querem o bem-estar coletivo e aqueles que pensam apenas em seu próprio umbigo.Muitas vezes, como diz Goldenberg em seu texto, perder amigos é uma questão de higienização. Percebo isso com muita naturalidade: somos responsáveis por nossas escolhas e temos de arcar com as consequências que elas acarretam. É saudável o debate. É legítima a batalha de ideias. É como na lei da física: sem atrito ninguém se move.Por mais que eu discorde ideologicamente do jornalista Paulo Francis, acho que ele foi muito feliz ao dizer que não criticava as pessoas, apenas as tratava como adultas. É isso o que o governo Lula tem feito com o povo brasileiro: ele está nos tratando como adultos e as nossas contradições estão vindo à tona. É normal que aflorem ressentimentos entre nós. O Brasil está passando por um processo de parto, doloroso, sofrido, mas pleno de esperança e de otimismo.

[Passarela projetada por Niemeyer e centro esportivo na favela da Rocinha: esta imagem não é uma simulação]
Publicado por Bruno Ribeiro

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