terça-feira, 5 de outubro de 2010

CRÔNICA: FEIRA LIVRE EM XIQUE-XIQUE (BA)

A FEIRA LIVRE EM XIQUE-XIQUE (BA)
Juarez Moraes Chaves

As feiras livres existem no mundo inteiro e, apesar de a história estar repleta de referências a essa atividade até hoje não se sabe onde e quando surgiu a primeira feira livre. Alguns registros históricos informam que nos anos 500 a.C, já existiam feiras livres no Oriente Médio. Mercadores dessas distantes terras juntavam-se e, em grupos, traziam os seus produtos regionais para verder ou trocar por outros.
Notadamente as feiras livres sempre apresentaram um caráter comercial vindo, no entanto acompanhadas com as festividade religiosas e os dias santificados, vez que a religião sempre andou de parceria com o comércio, daí a palavra latina feria, que significa dia santo, feriado, ter originado feira, em Portugal, feria na espanha e fair na Inglaterra.
A citação do evangelista Marcos, quando registra a expulsão dos vendilhões, por Jesus, demonstra, já naquele tempo, a existência de feira livre no entorno do templo de Jerusalém.
As feiras livres existentes no Brasil foram trazidas pelos colonizadores portugueses e, apesar da modernidade de hoje ainda predominam em todas as cidades do Pais, chegando em certas comunidades a ser o único local de comércio da população.
Xique-Xique, também, sempre teve a sua feira livre. Na década de 1940 quando liderava a atividade comercial num raio de pelo menos 100 km, os feirantes residentes na caatinga, começavam a chegar na quinta-feira à noite e traziam seus produtos no lombo de burros. Eram as tropas compostas por mais de 20 animais tendo à frente e comandando a viagem a “madrinha da tropa” uma mula de tamanho avantajado, enfeitada de guizos e outros apetrechos e que durante a marcha emitia vários sons de pequenas sinetas afixadas nos arreios como que alertando o resto da tropa para o ritmo da caminhada.
Essas "tropas de burros" vinham da atual cidade de Central (BA), antiga “Roça de Dentro”, da atual cidade de Itaguaçu da Bahia (BA), antiga “Tiririca” e dos atuais distritos de Rio Verde, Várzea Grande, etc, numa longa caminhada de muitos quilômetros sob um causticante Sol e uma constante nuvem de poeira.
Nesse tempo a feira livre se realizava na Rua Barão do Rio Branco (Beira Rio), no espaço compreendido entre a Praça Getúlio Vargas e a rampa do capim. Os animais ali chegando eram desarreados, liberados das pesadas cargas e logo levados para algumas roças que ficavam na margem do Lago Ipueira onde iriam pastar e descansar durante os dois dias de feira. Entre essas roças destacavam-se a de D. Alcina e de Seu Bimba por serem mais próximas. Os arreios, as selas, as “bruacas” e as cangalhas ficavam perto das mercadorias expostas, sob as vistas dos donos e à sobra de grandes fícus benjamim que cresciam ao longo do antigo cais que margeava o rio.
Também vinham para a feira os ilhéus, que habitam o arquipélago que fica em frente a cidade de Xique-Xique, trazendo os seus produtos agrícolas obtidos nos “lameiros”. Chegavam de “paquetes” ou “batelões” que, após aportarem na rampa do capim, desembarcavam a tapioca seca, a tapioca fresca, a puba, o beiju de feira, a farinha de mandioca, a farinha de tapioca, a mandioca, a batata doce, a cambraia, o feijão do rio, a melancia, a abóbora, o melão, o milho verde e, de imediato, se postavam ao longo da rampa, cada um nos seus lugares tradicionais, comercializando a sua produção. Era comum, também a exposição, nesse local, de artesanato de barro de louça (argila), representado por potes, moringas, panelas, etc, todas de cor vermelho abóbora decoradas com primitivas pinturas feitas com tinta branca.
Durante toda a sexta-feira e parte da manhã do sábado, os feirantes, catingueiros e beiradeiros, gritavam apregoando a qualidade dos seus produtos e garantindo que o seu preço era o melhor da feira.
Esgotado o tempo, esses ambulantes vendedores começavam a arrumar a mercadoria que não fora vendida para seguir em direção a outra feira livre ou retornar às suas origens. Era a hora de os catingueiros se dirigirem às roças, onde seus animais descansaram e pastaram durante toda a sexta-feira, para pagar o aluguel de permanência e levá-los de volta para o local da feira, onde eram arreados. Já com as mercadorias no lombo os animais eram colocados em formação de “tropa de burros”, tendo à frente a “madrinha da tropa” que iria liderar a marcha de retorno.
Os barranqueiros, cuja pequena produção era totalmente vendida à população da cidade, que esperava a cada feira a oportunidade de adquirir, principalmente a tapioca fresca e a puba, apenas tinham o pequeno trabalho de se acomodarem na embarcação que permanecera encostada na rampa do mercado durante todo o período da feira e por meio de remos ou pequena vela fazer a viagem de retorno para a sua ilha e ali começar a produzir novas mercadorias para a feira da semana seguinte.
Por tudo isso a feira livre de Xique-Xique na década de 1950, era uma festa para os olhos da meninada e entre elas estava eu. A gente não se cansava de admirar a triunfante entrada na cidade das “tropas de burros” transportando dezenas de “bruacas” repletas de mercadorias. Esses animais viajavam pelo mesmo traçado da atual BA-52, passavam em frente ao “campo de avião” e adentrando na atual Rua Rosa Baraúna, ainda sem calçamento como de resto toda a cidade, viravam à direita na esquina da “Usina de Seu Lulu” para ingressar na Avenida em direção à beira do rio.
A partir desse momento a festa começava para os meninos da época que não se cansavam de, caminhando ao lado da “tropa de burros”, admirar a beleza da “madrinha da tropa”, geralmente uma excepcional mula muito enfeitada com luxuosos arreios tendo neles afixada uma grande quantidade de pequenos sinos que de acordo com o passo do animal cadenciavam os seus tinidos. A “madrinha da tropa” parecendo que tinha consciência da sua importância e da admiração do povo, mesmo devendo estar cansada pelo longo trajeto viajado, ao entrar na Avenida erguia a cabeça e colocava-se numa postura ereta e digna de uma líder. O cortejo da garotada só terminava quando a “tropa de burros” chegava à rua da feira e a mercadoria era descarregada.
Não menos importante, apesar de menos emocionante, era a chegada das dezenas de “paquetes” e “batelões” repletos de mercadorias obtidas e produzidas nas diversas ilhas habitadas ao longo do Rio São Francisco, no município de Xique-Xique. Ao ultrapassarem o Canal do Guaxinim, deixando para trás a Ilha do Gado Bravo e a Ilha do Miradouro, as pequenas embarcações dos ilhéus adentravam no Lago Ipueira e o trajeto da Ponta da Ilha até a rampa do capim era facilmente transposto pela placidez das águas que permitiam um fácil ato de remar ou um tranqüilo velejar caso o “paquete” dispusesse de uma pequena vela.
Mais tarde, a partir do ano de 1950, após a inauguração do Mercado Municipal São Francisco, aconteceram algumas mudanças na feira livre de Xique-Xique. Com o deslocamento das casas comerciais da Rua Rio Branco para o entorno do Mercado, os feirantes da caatinga também deslocaram os seus pontos de venda para as imediações do novo equipamento, mas, continuaram a transportar as mercadorias em “tropas de burros”, costume que só veio a se extinguir no decorrer da primeira metade da década de 1950 quando foi inaugurada a estrada BA-52, mesmo sem pavimentação asfáltica, mas que permitiu o normal transito de caminhões que passaram a transportar mercadorias do feirantes, liberando o lombo dos animais e extinguindo as “tropas de burros”.
Para os feirantes ilhéus, praticamente a rotina não foi alterada, pois houve apenas uma mudança de denominação do local do Rio São Francisco em aportavam suas embarcações que teve o nome de “rampa do capim” substituído para “rampa do mercado”. Deve ser registrado que a “rampa do mercado”, único grande acesso dos xiquexiquenses ao Velho Chico, foi destruída para construção do PAREDÃO HORROROSO que circunda a cidade.
Hoje a feira livre de Xique-Xique está totalmente modificada tanto em face da grande população da cidade quanto no que diz respeito aos produtos ofertados na sua forma de transporte e exposição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário