segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Crônica: O FERREIRO DE XIQUE-XIQUE (BA)


LOURO – O FERREIRO DE XIQUE-XIQUE (BA).
Juarez Morais Chaves

FERREIRO, segundo o dicionário Michaelis é "Aquele que faz ou vende obras de ferro; O que tem estabelecimento de fabrico ou venda dessas obras". Ou seja, é o profissional que trabalha com metais, moldando, consertando, produzindo objetos, através da utilização de ferramentas como fole, bigorna, martelo, e até mesmo produzindo ligas metálicas.
O ferreiro, desde a mais remota antiguidade era tido como um iniciado e conhecido como “Os senhores do fogo”. Tinham o maior respeito pelo metal que trabalhavam pois entendiam haver interrompido o ciclo de vida do ferro que, se tivesse tido tempo de amadurecer no ritmo geológico seria transmutado em ouro.
Acredita-se que a profissão de ferreiro exista deste 2000 a.C, quando o homem aprendeu a manipular e moldar os metais, sem grandes distinções, até os tempos atuais. Antes de conhecerem o ferro da terra, os antigos ferreiros utilizavam o ferro meteórico, caído do céu, conhecido como “pedras de raio”, tempo em que se lidava com o ferro como algo sagrado, posto que ele tinha vindo do céu. Somente lá pelo ano 1000 a.C. a atividade de moldar o ferro atingiu uma escala industrial.
A importância do ferro para as comunidades antigas era tão grande que na mitologia grega existia uma divindade do fogo, dos metais e da metalurgia, conhecido como ferreiro divino. Esse deus era Hefaísto, filho de Hera e Zeus, também conhecido como Vulcano entre os romanos. Esse deus foi o fabricante do escudo usado por Zeus nas várias batalhas principalmente na que lutou contra os titãs.
Atualmente a profissão de ferreiro individual esta bastante reduzida, ante a grande produção em escala industrial pelos grandes metalúrgicas a não ser que as pessoas não estejam interessadas na qualidade do produto e sim na autenticidade e individualidade de peças artesanais e obras de artes, quando então procuram pelo trabalho desse profissional.
Entre os ferreiros de Xique-Xique (BA), lembro-me bem de um bastante conhecido como LOURO FERREIRO. Pouca gente em Xique-Xique sabe que o seu nome de registro era Lourival Figueiredo Rocha, nascido na cidade de Pilão Arcado (BA) no ano de 1908, tendo vivido grande parte da sua juventude no Distrito de Marrecas, atual Iguira.
A oficina de ferreiro de LOURO, ficava situada na Rua José Nogueira, quase em frente à residência do Sr. João Custódio de Moraes. Portanto a menos de 50 metros da casa da minha mãe, que, mesmo estando com a frente para a Praça D. Maximo possuia uma porta no quintal para a rua José Nogueira.
Ainda menino e brincando no quintal, sabia exatamente o momento da chegada de LOURO na oficina, pois, mal chegava iniciava o árduo trabalho que era denunciado pelo tilintar do martelo na bigorna. Ouvia-se de longe o trabalho de LOURO.
Era o momento em que costumava dar uma chegada curiosa até aquela oficina, única e exclusivamente para apreciar o trabalho daquele competente profissional.
O que mais me chamava a atenção era que LOURO não tinha uma bigorna no formato tradicional desse instrumento de moldar ferro. A peça de ferro que recebia o impacto do martelo sobre o ferro em brasa era uma espécie de eixo de caminhão estendido horizontalmente no meio da oficina a uma altura de 70 cm e era ali, naquela diferente bigorna que LOURO inventava qualquer peça de ferro que o cliente precisasse.
A pior parte do trabalho, no meu entender de criança era conseguir que o ferro a ser moldado ficasse vermelho em brasa. Xique-Xique nesse tempo não dispunha de energia elétrica e o ferreiro xiquexiquense possuía apenas um velho fole que sob força muscular soprava as brasas do carvão vegetal até que o ferro a ser trabalhado chegasse no ponto ideal. Isso era um trabalho muito desgastante, pois o calor natural da cidade, no interior da oficina, era muito aumentado pelo trabalho do fole, obrigando o velho ferreiro a trabalhar com o torso descoberto.
Cansado e suado após o ingente esforço despendido na operação do fole o velho ferreiro, imediatamente após retirar o rubro ferro dentro das brasas começava mais uma luta titânica para moldá-lo antes que se esfriasse totalmente. Para obter o produto final, o ferreiro LOURO tinha que repetir o processo de esquentar o ferro até deixá-lo em brasa muitas vezes o que tornava o seu trabalho muito penoso levando-se em conta, também o ambiente da oficina que não apresentava o menor traço de conforto.
Pequeno aposento, sem reboco e com o piso em areia, a oficina de LOURO ainda primava por um amontoado de artefatos e pedaços de ferro espalhados por todos os cantos, sem nenhuma organização, o que dificultava o transito pelo interior do ambiente de trabalho. Acredito que somente ele sabia onde determinada encomenda que fizera estava guardada a espera do dono, tal a desarrumação do lugar.
LOURO não gostava que a gente ficasse caminhando dentro da sua oficina. Falava que algum de nós poderia se ferir em alguma farpa de ferro que estivesse sob a areia do piso da oficina e isso lhe causaria problemas com a família da criança. Mas, aquele diferente e melodioso trabalho era um chamariz para todos e assim que o martelo começava a cantar sobre a bigorna, lá se ia a gente para a porta da oficina de LOURO para assistir a rude confecção de peças de ferro.
Mesmo após a minha saída para estudar em Salvador, costumava, nas férias, já na adolescência, devido a proximidade, dar uma passada na oficina de LOURO para cumprimentá-lo e conversar um pouco.
Nos anos da década de 1990, já octogenário, era comum ver LOURO ainda atuante na bigorna, não mais com o vigor dos anos da década de 1950, mas ainda lúcido e fazendo delicadas pelas de ferro para os fiéis fregueses que ainda o procuravam.
Nessa época já havia se tornado comum a reunião de alguns amigos de LOURO, na porta da sua oficina para a prática do jogo de dominó do qual ele sempre era um dos assíduos participantes. Parei algumas vezes para apreciar a diversão e pude constatar a alegria reinante no rosto daquelas pessoas simples que dedicavam o finalzinho da tarde para um relacionamento social entre si. LOURO era um dos que mais se divertia com a brincadeira.
No começo da década de 2000 a oficina foi desativada face a idade avançada do seu proprietário. Os trabalhos com o ferro foram transferidos para o amigo conhecido como Arranha Céu que montou a oficina na Rua José Custódio, próxima ao velho endereço.
Já cansado e doente LOURO faleceu no dia 29 de julho de 2009, centenário, deixando uma bonita família e a viúva de segunda núpcias, D. Vicença com a qual tiveram os filhos Edivan e Everaldo profissionais da área de contabilidade que trabalham em Xique-Xique. Do primeiro casamento foram 8 filhos todos eles atualmente residindo na cidade de São Paulo (SP).
Pela dedicação ao trabalho, pela ética e honestidade com que sempre pautou a sua vida e a de seus familiares, LOURIVAL FIGUEIREDO ROCHA, conhecido em toda a cidade, apenas como LOURO FERREIRO, está situado no panteão dos xiquexiquenses que dedicaram uma vida pelo progresso da terra, merecendo seu nome estar escrito em uma placa honrando uma determinada rua da cidade.





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