domingo, 28 de novembro de 2010

CRÔNICAS XIQUEXIQUEANAS

A CERA DE CARNAÚBA EM XIQUE-XIQUE (BA).
Juarez Morais Chaves
A carnaubeira ou copernifera cerífera, árvore da família Arecaceae é uma planta endêmica do Nordeste Brasileiro, conhecida, também como “árvore da vida”, pois oferece ao nordestino uma infinidade de usos desde a sua raiz usada como diurético até a cêra utilizada em componente eletrônicos. Não carece de adubação, de defensivos e nem de mecanização agrícola e, por ser muito resistente às secas a sua palmeira embeleza à paisagem nordestina .
O principal produto da carnaubeira é a cera que se obtém das folhas, insumo valioso que entra na composição de diversos produtos industriais como cosméticos, cápsulas de remédios, componentes eletrônicos, produtos alimentícios e cêras polidoras com franco mercado na América do Norte, Europa e Ásia.
Fazendo jus à fama de que da carnaúba nada se perde, a folha triturada, após a colheita do pó, serve como adubo para milhares de pequenas roças substituindo a contento e com grandes vantagens ecológicas os adubos químicos, além de poder, também, ser utilizada na alimentação de ovinos e caprinos por conter 7% de proteína.
Atualmente a produção e a exportação de cêra de carnaúba é feita pelos Estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, segundo Edgar Gadelha Pereira Filho, presidente do Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba no Estado do Ceará (SINDICARNAÚBA), com seis indústrias filiadas, responsáveis pela produção de cerca de 8 mil toneladas, dentro de um total brasileiro estimado em 15 mil toneladas. As indústrias do Ceará concentram cerca de 50% da produção nacional, as indústrias do Piauí, 40%, ficando o Rio Grande do Norte com 10% (Gazeta Mercantil, São Paulo, 28 abr. 2005, p. B-14).
A primeira exportação de cêra de carnaúba ocorreu em 1894, para a Inglaterra, partindo do Porto de Parnaíba (PI), chegando esse Estado a responder, na década de 1940, por 2,3% das exportações brasileiras de cera de carnaúba, quando ocorreram as maiores vendas durante a II Guerra Mundial. Com a fim da guerra, final da década de 1940 e início de 1950 a demanda por cera de carnaúba começou a declinar.
O município de Xique-Xique também teve a sua participação no envio da cêra de carnaúba para os beligerantes países durante a segunda grande guerra.
No segundo quartel do século XX, muitas famílias xiquexiquenses ficaram ricas com a extração da cera de carnaúba. Essa pujança ainda hoje está representada pelas excelentes residências que naquela época foram construídas e que ainda estão de pé comprovando o período de opulência dos produtores de cêra.
Em Xique-Xique (BA), a exemplo das demais regiões do Nordeste, a carnaubeira também era nativa e abundante em quase todos os milhares de quilômetros quadrados que compunham o extenso município, principalmente na região banhada pelo Rio Verde, afluente do São Francisco, nas encostas da Chapada Diamantina e nos distritos de Copixaba e Marrecas.
No entanto, as áreas de carnaubais nativos estavam inclusas em grandes latifúndios nas mãos de pouquíssimos xiquexiquenses representados pelos famosos "coronéis" da guarda nacional, tais como Lithercílio Baptista da Rocha, Hermenegildo de Souza Nogueira, José de Souza Nogueira, Adão Moreira Bastos, apenas para citar uns poucos.
Como os carnaubais proliferavam gratuitamente nas suas extensas fazendas acreditaram, os latifundiários xiquexiquenses, que aquela riqueza era uma dádiva dos deuses e nunca se preocuparam em aplicar àquela cultura os mínimos conhecimentos tecnológicos para a obtenção de um produto em moldes competitivos, racionais e econômicos. Eram, por assim dizer, uns exploradores da terra. Na época apropriada, agosto a dezembro, quando as folhas estavam carregadas de pó cerífero, lá se iam vários trabalhadores, navalha na ponta de uma extensa vara a cortar folha por folhas, correndo o risco de uma delas, na queda, ficar enfiada em seu corpo, tal a velocidade com que caiam com a afiada ponta, feita pela navalha, virada para baixo.
Após a colheita, com as folhas já secas, os trabalhadores se enfiavam embaixo de uma “tolda” de pano e com o auxilio de uma vareta iam batendo em cada folha e extraindo o pó branco que mal chegava a 100 gramas por carnaubeira. Mas essa baixa produtividade não era questionada, pois o custo de produção era ínfimo em relação ao grande preço que, a cera, produto final estava alcançando no mercado exterior. O pó extraído era submetido a um cozimento dando origem à cera tipo “A” oriunda da parte central das folhas novas e a cera tipo “B”, de cor alaranjada ou preta, obtida das folhas mais velhas.
Enquanto as indústrias estrangeiras, desde a fonográfica até a cosmética, utilizavam a cera da carnaúba como principal insumo para fabricação de seus diversos produtos, os proprietários de carnaubais em Xique-Xique contavam anualmente com um grande reforço financeiro em seus orçamentos e esbanjavam dinheiro para todos os lados. As casas eram suntuosas, os filhos estudavam em Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e era uma constante a demonstração de riqueza por toda a família.
Mas, a tecnologia descobriu um substituto para a cêra de carnaúba e, por ser mais barato, passou a ser utilizado na fabricação de diversos produtos ocasionando uma redução de mercado para a cêra natural. Mas, ocorreu apenas a redução do mercado e não a extinção. Mas, os nosso fazendeiros xiquexiquenses não se deram conta desse detalhe e, simplesmente, abandonaram a atividade de produção de cêra e os carnaubais puderam se desenvolver livres daquela pode anual sem nada receber em troca em termos de tratos culturais.
A produção de cera para disputar a redução do mercado exigia dos produtores um melhor manejo do carnaubal para obter uma maior produtividade que compensasse a acirrada concorrência que foi iniciada com a redução da demanda. Isso implicaria em um melhor trabalho de administração e a injeção de recursos financeiros coisas que estavam fora dos planos dos nossos produtores de cera, pois, toda a vida, desde a adolescência, se acostumaram a obter a cera sem nada investirem.
As extensas áreas de terras continuaram e continuam ocupadas com carnaubeiras, mas os donos dos carnaubais preferiram utilizá-las, apenas no criação extensiva do gado bovino. Era, em termos de técnica, uma atividade muito parecida e até mais barata que a obtenção de cera, pois, os animais passavam todo o ano soltos dentro do carnaubal e somente uma vez por ano eram juntados para a ferra dos nascidos.
Os velhos coronéis foram morrendo e os filhos acostumados à vida de ricos, graduados e residindo em Salvador, não se dispuseram a continuar com a exploração da pecuária extensiva e muito menos retornar á produção de cera da carnaúba e assim as extensas terras, sem cercas, ficaram abandonadas e aos poucos foram sendo vendidas a preço baixo ou mesmo invadidas por outras pessoas. Também não se dispuseram a usar o recurso legal da reintegração de posse e assim, com raríssimas exceções, os grandes latifúndios antes nas mãos de poucos grandes fazendeiros agora estão distribuídos entre outras pessoas já que os descendentes dos "coronéis" não continuaram com a saga.
Mas, apesar de a economia da carnaúba nunca haver sido reconhecida e nem estimulado pelos governos do Nordeste como algo importante para o seu desenvolvimento, vem, nos últimos anos, ao contrário do que se prega, aumentando a produção e as exportações de cera como conseqüência de novos usos industriais, como revestimento de frutos “in natura” e cápsulas de remédios, pois, por suas características orgânicas, é produto natural e insubstituível.
Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias Beneficiadoras de Cera de Carnaúba do Estado do Ceará (Sindicarnaúba), as exportações de cera cresceram 40% em 2007 e ocupa a 6ª posição na pauta das exportações cearenses. Nesse ano, a produção conjunta do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte soma 30 milhões de quilos de pó, correspondente a 18 milhões de quilos de cera, e movimenta US$ 60 milhões de faturamento por ano, com 90% das vendas destinadas ao mercado externo.
Os três Estados nordestinos possuem aproximadamente 25 indústrias de refinamento da cera, com capacidade de beneficiamento em torno de 35 mil toneladas por ano. A cera industrializada serve para fazer batons, adesivos, cera dental e ceras em geral, além de acabamento de couro e madeira. O produto é usado ainda em fios elétricos, chicletes, filmes fotográficos e impermeabilizantes. Tem aplicação no setor de informática em "chips", "tonners", código de barras, papel carbono e filmes plásticos. A palha também poderá ser usada, em breve, na ração de caprinos e ovinos, de acordo com pesquisa da Embrapa. No Ceará, a exportação de 8,25 mil toneladas de cera propiciou receitas no valor de US$ 21,20 milhões em 2005, além de gerar 100 mil empregos. Como meio de combate à pobreza, o Ceará iniciou um projeto para transferir tecnologia a algumas comunidades a fim de permitir a extração da cera por meio de secador solar, assim como para dar alternativas ao uso da palha da carnaúba, como a fabricação de papel e peças artesanais.
O Parque Estadual das Carnaúbas, criado pelo governo do Estado do Ceará por meio do Decreto nº 28.154, de 15 fev. 2006, localizado na cidade de Granja (335 km de Fortaleza), nas imediações do distrito de Timonha, com mais de 10 mil hectares, destina-se a dar proteção integral à carnaúba, árvore símbolo do Estado.
O que aconteceu com a produção de cera de carnaúba em Xique-Xique foi a mesma coisa acontecida com o cultivo da cebola 50 anos depois: falta de empreendedorismo dos empresários xiquexiquenses. Não tiveram coragem ou não quiseram enfrentar o mercado na primeira pequena dificuldade que se lhes apresentou. Bastou uma queda no mercado internacional da cera para que todos, sem exceção, abandonassem a extração do produto.
É a velha falta de vocação para a atividade agropecuária. O lucro no comércio é mais fácil e mais rápido. Não há porque estar se desgastando dentro de um imóvel rural, sob sol e chuva, lidando com empregados desqualificados quando se pode com mais conforto ficar detrás de um balcão esperando a chegada do freguês. É puramente uma questão de opção.
Não podemos é colocar a culpa sobre o governo ou sobre o mercado. No sistema capitalista, a nossa economia, a atividade privada tem que investir e por si só descobrir as melhores maneiras de concorrer no mercado.
Xique-Xique dispõe, pois, de uma abundância de água que poderá ser utilizada na agricultura irrigada e de um grande carnaubal, no interior do município, resistente à seca. Somente esses dois fatores são suficientes para alavancar o desenvolvimento agrícola no nosso município se houvesse empresário disposto a isso.

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