sábado, 26 de fevereiro de 2011

Crônica Xiquexiqueana: CARNAVAIS EM XIQUE-XIQUE (BA)

ANTIGOS CARNAVAIS
Juarez Chaves

O carnaval em Xique-Xique, pequena comunidade do interior baiano, no período de 1953 a 1960, era a festa mais esperada pela população, principalmente os jovens estudantes da cidade. A ansiedade pela chegada do carnaval era contrabalançada pela expectativa do fim das férias, pois geralmente era o último evento que antecedia o retorno para o colégio. Os foliões, devido à pobreza da cidade, usavam, nos bailes realizados no Clube Recreativo Sete de Setembro e no Clube Beneficente dos Operários, modestas fantasias produzidas em casa e com materiais adquiridos no comércio local. Na parte da manhã a movimentação do carnaval era feita exclusivamente pelos rapazes e moças da cidade. Por conta própria montavam pequenos blocos de 10 a 20 pessoas que utilizando diversos tipos de disfarces, tais como máscaras e vestuários do sexo oposto, saiam às ruas ao som de tamborins, tambores e as vezes cuícas, instrumentos rudimentares e feitos com matéria prima local, apenas para terem algo parecido com uma batucada. Essa brincadeira geralmente ia até o meio dia e se limitava a entrar nas casas dos parentes e amigos para saborear um licor ou outra bebida que fosse servida pelo dono.
Lembro-me de uma batucada que organizamos cujos tamborins foram feitos de pele de cobra estirada sobre uma armação quadrada de madeira. Cada um dos foliões fabricava o seu próprio tamborim, tambor ou outro qualquer instrumento de percussão que pudesse fazer barulho nos dias do carnaval e lá se ia, de instrumento em punho, para os ensaios da "bateria" que geralmente aconteciam no jardim da Praça D. Máximo, nos dias em que antecediam o carnaval. A foto mostra os principais filiões jovens da cidade, no "jardim" do ringue da Sete, durante o carnaval, numa pose para a posteridade.
À tardinha, lá pelas 17 horas, quando o sol esfriava, surgia o indefectível “bloco das putas”, formado pelas prostitutas da cidade que moravam na Rua do Perau, tendo a frente um conhecido homossexual que dansando e requebrando ao compasso da música levava o estandarte do cordão. O interessante era que esse bloco, composto exclusivamente de prostitutas e que percorria as principais ruas da cidade não escandalizava a sociedade da época, mas, pelo contrário sempre era esperado e as pessoas se divertiam bastante com os trejeitos e requebros das carnavalescas e principalmente do porta-estandarte.
Encerrado o desfile do bloco das meninas do perau a gente ia jantar e se preparar para o tradicional baile que sempre acontecia nos Clubes da cidade a partir das 21 horas. Era o apogeu do carnaval de Xique-Xique. Nesses dias de festa, excepcionalmente, a luz elétrica que apagava às 22:00 horas, permanecia acesa até as 3 da madrugada permitindo assim, que todos os foliões pudessem brincar e voltar, comodamente, para suas residências.
Nesses bailes aconteciam as coisas mais engraçadas provocadas, principalmente, pela cheirada ao lança-perfume, hoje proibido, mas que, naquele tempo, era legal e permitido, em todos os carnavais. Idosos e adolescentes ficavam eufóricos e, sob o efeito do lança, começavam a cantar e a dançar, numa animação nunca vista. Senhoras e mocinhas que não ousavam cheirar o gostoso perfume em público iam para o sanitário feminino e a animação era tanta que se ouviam as boas gargalhadas e gritarias dadas pela foliãs.
Quero deixar uma pequena informação sobre o famoso LANÇA-PERFUME, tão consumido no meu tempo de folião e hoje totalmente desconhecido pela geração pós 1961 ano em que foi proibida a fabricação.
O lança-perfume era um acessório indispensável ao folião que quisesse brincar o carnaval na década de 1950. Basicamente era um líquido perfumado, muito volatil, fabricado pela multinacional Rhodia e acondicionado, sob pressão, em tubos de metal cilíndrico, em volumes de 100 e 200 gramas, lacrados de modo especial para evitar o vazamento do eter perfumado. Como alternativa para as pessoas de menor poder aquisitivo existia, também, no mercado o lança-perfume da marca Colombina, acondicionado em cilindros de vidros, com menor volume, qualidade inferior e o risco da quebra da embalagem. Para se usar os lança-perfumes, era necessário extrair o pequeno pino de vedação que vinha nos tubos de metal e de vidro e substituí-lo por uma bombinha própria, vinha com a embalagem e que era enroscada no orifício da saída do jato de perfume. Lançar o perfume sobre uma moça era um ato de galanteio e que poderia ser retribuído do mesmo modo caso a jovem possuísse, também um lança-perfume e estivesse interessada no folião. Era o começo de um namoro que as vezes se estendia até depois do carnaval e muitas vezes dava em casamento. Todavia, se a moça paquerada não estivesse interessa no paquerador virava-lhe as costas e continuava a sua folia. O jato lançado em contato com a pele, provocava uma sensação de frescor e de perfume, muito agradável para quem recebia o que provocava entre os casais de namorados uma constante troca de jatos de perfume. No final da festa, as fantasias usadas pelos brincantes estavam totalmente impregnadas de perfume.
No entanto, o que era pura forma de galanteio e uma diversão inocente transformou-se numa atitude perigosa e prejudicial à saúde, quando alguém descobriu que aspirando o perfume pelo nariz ou boca, ficava embriagado e sob os efeitos de uma droga alucinógena, e, se a quantidade absorvida fosse grande, poderia provocar, inclusive, a morte do inalador. Com o passar dos anos o consumo de lança-perfume nos carnavais veio a ser utilizado exclusivamente para consumo próprio, com a utilização de lenços e pequenas toalhas envoltas no pescoço do folião que eram embebidas com o líquido perfumado e levadas ao nariz para serem cheiradas, não havendo mais o interesse do folião em lançar os jatos gelados no corpo e na fantasia da mulher amada. Por causa dessa distorção no seu uso e pela constatação de que na realidade se tratava de um tóxico impróprio para a saúde, a sua produção foi proibida em 1961, quando Jânio Quadros assumiu a Presidência da República.
A outra foto que ilustra esta crônica apresenta alguns jovens xiquexiquenses em plena folia no Clube Sete de Setembro. Notem a quantidade de lança-perfumes nas mãos dos brincantes. Este foi o último carnaval em que o lança foi livremente permitido.
O baile de carnaval, propriamente dito, naquele tempo dos anos 60, era, relativamente, pura inocência e ingenuidade. A movimentação dos foliões no salão, se dava em círculos e num só sentido para evitar choques entre as pessoas. O namorado dançava com os braços em volta do pescoço ou da cintura da namorada e essa era a maior intimidade permitida pelos pais que sempre estavam presentes e com fiscalização ostensiva. Um beijinho, sequer, quando se conseguia dar, era uma coisa muito arriscada e que poderia provocar a ida da menina de volta para casa.
O mais interessante dos carnavais de Xique-Xique eram os ensaios realizados semanas antes da festa para que os foliões aprendessem as musicas carnavalescas. Como os meios de comunicações eram deficientes e até o próprio radio era privilégio de poucos, os diretores do clube compravam em Salvador as partituras e letras musicais das marchas e sambas que estavam sendo tocadas, principalmente para o carnaval no Rio de Janeiro. De posse dessas partituras e com a ajuda do músico saxofonista Mário Torres Rapadura, de saudosa memória, ensaiavam-se todas as noites até que a gente estivesse dominando as melodias e as letras das marchinhas e sambas carnavalescos. E assim, naquele tempo, a gente ia brincando o carnaval em Xique Xique. (JMC- ago/2008).

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