domingo, 29 de maio de 2011

Crônica Xiquexiqueana: MESTRE CHICO

MESTRE CHICO.

Juarez Morais Chaves
Em Xiquexique (BA), a primeira Escola Pública para ensino primário foi construída em 1937 e se denominou Escolas Reunidas César Zama, ou “O PRÉDIO”, como era conhecido por todos. Para a época foi uma grande construção, mas, com o passar do tempo e o crescimento populacional da cidade transformou-se numa pequena escola com apenas 4 salas de aula. Não obstante isso ainda hoje demonstra pujança e é um referencial respeitado por todo o professorado da cidade.

Eu fiz todo o Curso Primário na Escolas Reunidas César Zama no período de 1950/1954. Na época, era a escola preferida por todos e ali estudavam os filhos dos comerciantes, dos profissionais liberais e dos servidores públicos municipais, estaduais e federais e demais profissões da cidade, pois ainda era a única escola públicana cidade.

Todavia, em paralelo à Escolas Reunidas César Zama, funcionavam pequenas escolas particulares com aulas sendo ministradas nas próprias residências de professores sem formação pedagógica e com serviços remunerados pelos pais dos alunos. De um modo geral o público atendido por esses professores particulares era formado de pessoas que não estavam muito interessadas em que os filhos obtivessem a formação primária completa que naquela época era de 5 anos e somente poderia ser ministrada por professores com o Curso de Pedagogia ou pelo menos o Curso Normal. Esses pais ficavam satisfeitos que os filhos aprendessem apenas as 4 operações matemáticas, soubessem ler, escrever e fazer conta. No entanto, não era raro que também estudassem nessas escolas particulares alunos matriculados no César Zama, a título de castigo imposto pelos pais, por estarem tendo pouco aproveitamento no PRÉDIO ou simplesmente para se habituarem com a disciplina outro ponto forte desses mestres alternativos, cuja pedagogia e metodologia utilizadas se baseavam no uso da palmatória.

Foram várias as pessoas em Xiquexique que exerceram a nobre missão de professor particular e por isso se tornaram cidadãos e cidadãs conceituados e prestigiados por toda a cidade inclusive pelos professores que ensinavam no César Zama. Ficaram famosos os mestres Virgílio Bessa, D. Enedina, D. Sinforosa, Mestre Chico e outros. Como a pedagogia utilizada por eles era sempre a mesma, comentarei apenas a atuação de Mestre Chico, em face da fama adquirida e por tê-lo conhecido ainda em plena atividade.

MESTRE CHICO era um negro esbelto e simpático que instalou em sua residência, situada na Rua São Francisco, uma escola particular dedicada, principalmente, ao ensino da leitura, da escrita e das 4 operações matemática, destinada às pessoas que por algum motivo não conseguiam ou não queriam se matricular no Grupo Escolar César Zama ou mesmo alunos do próprio César Zama que precisavam de uma forte disciplina para conseguir um melhor aproveitamento nos estudos.

Apesar de ser adepto da correção utilizando a palmatória e outras formas de castigos corporais, Mestre Chico tinha um carinho especial para com todos os seus alunos, sem contudo abrir mão da férrea disciplina que imperava na sala de aula. Eram famosas as suas argüições sobre tabuada que aconteciam geralmente aos sábados. Nessas ocasiões as janelas da escola ficavam repletas de pessoas que queriam assistir aquelas avaliações, motivo de orgulho do professor.

Naqueles idos da década de 1950 como não existiam as máquinas de calcular todas as operações matemáticas e os mais variados cálculos eram feitos na ponta do lápis. As pessoas que se destacavam como boas fazedoras de “conta” eram tidas como estudiosas, inteligentes e preparadas. Isso porque, para “fazer contas” era indispensável um conhecimento perfeito e total da Tabuada. E ali, com Mestre Chico, os alunos tinham que decorar e saber, “na ponta da língua” as tabuadas de somar, diminuir, multiplicar e dividir, ferramentas utilizadas integralmente nas atividades comerciais daquele tempo.

Mestre Chico ensinava que o conhecimento da Tabuada tinha que ser automático, pois não dava para raciocinar, segundo ele, no resultado de uma multiplicação de 9 x 8 ou pior quando a conta envolvia a Tabuada Grande quando se tinha que saber, automaticamente, o resultado da multiplicação de 12 x 19, por exemplo. As respostas a essas questões tinham que ser dadas como uma espécie de condicionamento, de reflexo e não era permitido que o aluno passasse algum tempo demonstrando que estava raciocinando, pois, nada tinha para pensar.

A argüição de tabuada, pois, era o momento solene que exigia perfeito conhecimento e dedicado estudo, principalmente quando essa argüição era feita pelo Mestre Chico, que, adotando pedagogia própria inovara na forma de avaliar os conhecimentos dos seus alunos nessa parte tão importante do saber da época.

A argüição ou sabatina começava com a colocação dos meninos em semicírculo à volta da mesa do Mestre. De frente para os alunos e sob o olhar dos curiosos nas janelas, Mestre Chico iniciava a cantilena a partir de uma das extremidades da meia lua, perguntando a um aluno, por exemplo, “quanto era 16 dividido por 4”. Obtida a resposta dada pelo aluno de que o resultado era 4, imediatamente o Mestre se deslocava, aleatoriamente, para um outro aluno e simplesmente perguntava: “vezes 8?” A pergunta “vezes 8”, significava que o Mestre Chico desejava saber qual o resultado da multiplicação do número 8 pelo numero 4 respondido anteriormente o que daria um total de 32. Se o aluno não respondesse levaria um bolo de palmatória numa das mãos para se manter atento durante a argüição feita. Aplicada a pedagogia da palmatória, a argüição continuava sem solução de continuidade e o número 32, resultado da multiplicação de 8x4, era a bola da vez. Esse número tinha que estar memorizado por todos os alunos de pé em volta da mesa do professor, pois com certeza a próxima pergunta de Mestre Chico, a qualquer aluno, seria: “Dividido por 2?” A resposta pela metodologia explicada seria o número 16, resultado da divisão de 32/16, que, de imediato seguiria nova pergunta, por exemplo, “Menos 10 ?”, cuja resposta correta seria o número 6 resultado da operação 16-10 e assim seguia a argüição por mais ou menos 15 minutos, exigindo que todos os alunos acompanhassem, mentalmente cada pergunta e cada resposta para não perder o fio da meada sob pena de apanhar de palmatória ou se sujeitar a outros castigos corporais.

Devido ao exercício semanal os alunos estavam tão treinados na metodologia de Mestre Chico e com a Tabuada tão memorizada que a argüição se processava, praticamente sem interrupções, com pouco uso da palmatória e, a velocidade nas perguntas feitas e nas respostas obtidas, imprimia um ritmo melodioso e característico nas argüições do Mestre Chico. Era uma verdadeira cantoria.

Além da palmatória que era usada nas argüições da tabuada realizadas no sábado, Mestre Chico tinha, também, como instrumento disciplinar uma fina vara de madeira de uns 2 metros de cumprimento, contendo numa das extremidades uma esfera de cera de abelha endurecida, com aproximadamente 5 cm de diâmetro. Essa disciplina era utilizada para chamar a atenção dos alunos que às vezes viravam as costas para o professor e mantinham animada conversa com o colega que sentava na carteira atrás. Como a sala era pequena, Mestre Chico podia facilmente, mesmo sentado, utilizando a vara de madeira, acertar a cabeça do conversador com a bolota de cera da extremidade da vara. Era um santo remédio e o aluno indisciplinado e desordeiro imediatamente se virava e passava algum tempo massageando o couro cabeludo no local atingido pela bola de cera.

Hoje esses métodos pedagógicos utilizados pelo Mestre Chico estão totalmente defasados, abandonados e até mesmo condenados pelos pedagogos de plantão. Mas, naquela época a punição e castigo em sala de aula, eram não só aceita, mas até estimulada pelos pais dos alunos por ser uma forma a mais de levar os meninos a estudarem. O professor, fosse o que ministrava aula no César Zama ou o mestre particular que utilizasse sua residência como sala de aula, era tido como um aliado dos pais na formação dos jovens e por isso, julgava-se no direito de castigar fisicamente, a indisciplina e a falta de aproveitamento escolar dos alunos. Mestre Chico educou, ensinando a ler, fazer conta e escrever toda uma geração de pessoas que até os dias de hoje ainda vivem em Xique-Xique e não se cansam de fazer os devidos elogios àquele senhor humilde que dedicou toda a sua vida ao magistério.
O Mestre Chico faleceu no dia 08.set.1968, véspera do meu casamento e, por isso, encontrava-me em Xique-Xique e pude participar do seu enterro. Pela quantidade de pessoas presentes ao enterro constatei o quanto Mestre Chico era ainda querido por todos os seus ex alunos. Não havia entre os presentes nenhum sinal de traumas ou constrangimentos pelos castigos corporais sofridos durante o período em que foram alunos do Mestre que agora sepultavam. Havia sim muitas recordações, histórias sendo contadas e recontadas cheias de gratidão por aquele homem que lhes ensinara muitas coisas úteis.

Em gratidão pelos nobres serviços prestados à cidade, o Poder Público Municipal resolveu, merecidamente, colocar o nome de Mestre Chico numa das ruas da nossa Xique-Xique.
JMC/

Nenhum comentário:

Postar um comentário