quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Crônica Xiquexiqueana: PESCARIAS EM XIQUE XIQUE (BA)

AS PESCARIAS NO MANGUE FUNDO E NA LAGOA DE ITAPARICA
Juarez M. Chaves

Xique Xique por ter se originado de um acampamento de pescadores que, residindo na Ilha do Miradouro, instalavam-se na margem do piscoso Lago Ipueira, em frente à cidade, trouxe consigo, desde o nascimento uma grande vocação para as atividades de pesca, que se inicialmente fora exercida por humildes pescadores individuais, transformou-se com o passar do tempo numa profissão das mais organizadas da cidade, contando, inclusive, com associação de classes, conhecida como Colônia dos Pescadores. A Colônia, que abriga a grande maioria dos pescadores xiquexiquenses sempre se mostrou ser uma associação forte e que faz questão de exercer essa liderança, principalmente, na noite em que patrocina a novena em homenagem ao Senhor do Bonfim, padroeiro da cidade.

O Lago Ipueira que banha Xique Xique (BA), para quem não conhece, tem aproximadamente 13 km de comprimento e uma largura média de 500 metros, cujas águas viajam, lentamente, em direção sul, formando o canal do Mangue Fundo através do qual carreia água para a Lagoa de Itaparica local de desova e reprodução de muitas espécies de peixe do Rio São Francisco.
A pescaria é uma atividade inerente à todo xiquexiquense, pois, a gente começava a brincar de pegar peixe ainda na fase de criança. Diariamente, principalmente à tardinha e à noite, jovens e adultos se postavam na beira do Velho Chico, com anzóis e iscas de minhoca para pegar mandins, um peixe com mais ou menos 20 cm, bastante apreciado por toda a população quer cozido quer assado. Dentre esses pescadores muitos estavam ali, realmente, a procura de uma refeição.
O Lago Ipueira, em frente a Xique Xique sempre foi muito generoso e nunca permitiu que um pescador saísse das suas margens sem uma fieira de peixes, garantindo assim o alimento diário de muitas famílias. Outros, no entanto, estavam ali apenas para se divertir e às vezes essa diversão se estendia até as 21:30 horas quando a usina municipal que fornecia a energia elétrica, dava sinal que a luz ia apagar. Algumas pessoas preferiam ir pescar no meio do Lago Ipueira e utilizavam uma canoa a remo para se deslocar até 100 metros da margem. Diziam que ali havia peixes em maior quantidade, ante a ausência do barulho feito pelas pessoas que pescavam na margem.Naturalmente havia épocas em que os peixes eram mais abundantes e isso ocorria nos períodos de secas quando o Lago Ipueira ficava isolado ou apenas ligado por um pequeno braço de água ao leito principal do Rio São Francisco e assim se transformava num verdadeiro viveiro de peixes.
Quando o rio São Francisco começava o período de cheia, entre novembro e fevereiro de cada ano, resultado das chuvas caídas nas cabeceiras em Minas Gerais, o Canal do Guaxinin, na Ponta da Ilha, permitia que um grande volume de água chegasse até ao Lago Ipueira e dele passasse para a Lagoa da Itaparica através do canal do Mangue Fundo. Nessas ocasiões todo o sistema formado pelo Lago Ipueira, Canal do Mangue Fundo e Lagoa da Itaparica atingia o volume máximo de água, quando então os peixes aproveitavam para se acasalarem e desovarem. Alguns meses depois, com a vazante do rio o Canal do Mangue Fundo baixava o nível da água e era cortada a ligação do Lago Ipueira com a Lagoa de Itaparica, ficando pois desintegrado o sistema hidraulico antes formado pelos tres reservatórios, contudo, todos eles repletos de peixinhos que ali nasceram na época da cheia. Lá para o segundo semestre, os peixes já tinham atingido o tamanho ideal para serem pescados e, com o nível baixo das águas, o Canal do Mangue Fundo e a Lagoa de Itaparica se transformavam num espaço ideal para pescaria em grande escala.
Era quando a pescaria em Xique Xique deixava o seu caráter amadorístico e se transformava numa grande atividade comercial exercida pelos pescadores profissionais da cidade. Os peixes que nasceram na Lagoa de Itaparica e no Mangue Fundo já estavam relativamente crescidos e no ponto de serem pescados com a utilização de redes fabricadas de caroá, uma fibra existente na caatinga.
Nesse tempo os pescadores se mudavam com toda a sua família para o canal do Mangue Fundo ou para a margem da Lagoa de Itaparica e lá, levantavam pequenas casas de taipa cobertas com palha de carnaúba para se abrigarem durante todo o período da pescaria. Enquanto os homens pescavam as mulheres e filhos se encarregam de limpar os peixes e salgá-los pois ainda não havia um sistema de refrigeração para conservá-los frescos.
O primeiro dia de pescaria, no que pese ser uma atividade que acontecia anualmente, se transformava numa imperdível atração para grande parte do povo de Xique Xique. Uns iam a negócios para comprar o produto da pesca e outros por mera curiosidade ou simples distração. Como a pescaria do Mangue Fundo se dava num local relativamente perto da cidade, era a que mais atraia os curiosos que para lá se deslocavam utilizando todo tipo de transporte, até mesmo a pé. Para a Lagoa de Itaparica, geralmente se deslocavam os negociantes que estavam interessados na compra de peixes. De qualquer maneira nenhuma dessas pessoas que lá estivessem, a negócio, a passeio ou em lazer, teria o dissabor de passar fome, pois era grande a quantidade de panelas ao fogo cozinhando o peixe fresco recém saído das águas e grande a alegria daquelas mulheres de pescadores em fornecer um prato com o delicioso peixe cozido na água grande e na trempe de tijolo. E assim seguiam os pescadores na nobre faina de tirar do São Francisco a proteína animal que iria alimentar por muitos dias toda uma população e ainda sobrar peixe para exportar para os nossos irmãos das cidades vizinhas que, diariamente, vinham a Xique Xique comprar o peixe salgado, muito apreciado na região e fácil de guardar para ser utilizado durante toda a semana.Até os dias de hoje o Lago Ipueira, o canal do Mangue Fundo e a Lagoa de Itaparica, sem se falar nas outras inúmeras ilhas que compõem o arquipélago que enfeita o Rio São Francisco nas imediações de Xiquexique, têm se mostrado pródigos em fornecer o pescado fresco e saudável com que adorna a mesa dos xiquexiquenses.


PS.: Este ano foi criada em Xique Xique a Faculdade de Engenharia de Pesca, ligada à Universidade Estadual da Bahia. A UNEB não poderia ter escolhido um melhor local para instalar a Faculdade, haja vista a vocação natural de Xique Xique para a atividade pesqueira. Esperamos que com essa Instituição de Ensino Superior a pesca em nossa cidade seja alavancada e se transforme em mercadoria de exportação para toda a Bahia ou mesmo o Brasil, carreando divisas para o nosso Município tão carente de verbas necessárias ao seu desenvolvimento.

Um comentário:

  1. Muito interessante este seu relato meu caro Juarez. Acho até que deve ser distribuído com os alunos da Faculdade de Engenharia de Pesca. Aliás, a cidade está de parabéns por ter recebido tão importante Instituição de Ensino Superior. Parabenizo-lhe também por demonstrar tanto interesse por sua terra natal. Muito bem!

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