sábado, 12 de novembro de 2011

Crônica Xiquexiqueana: O CÉSAR ZAMA

ESCOLAS REUNIDAS CÉSAR ZAMA - O "PRÉDIO".

Juarez Morais Chaves
Nos anos 1950, passadas as festas de fim de ano, Natal e Ano Novo e, findo o Carnaval, somente nos aguardava, agora, o reinicio das atividades escolares do curso primário. Era o retorno ao Prédio como carinhosamente chamávamos as "Escolas Reunidas César Zama", único Grupo Escolar estatal de Xique Xique (BA), construído pelo Intendente Coronel Francisco Xavier Guimarães e inaugurado no dia 07.09.1937, tendo como primeira Diretora a Profa. Honezinda Teixeira Rocha.
O Prédio, situado no final da Avenida J.J. Seabra, esquina com a Rua Rosa Baraúna que, naquele tempo era conhecida como rua de João Percevejo, famoso mecânico de automóveis que ali instalara sua oficina, durante muito tempo foi a única escola destinada ao ensino do curso primá rio em Xique Xique (BA).

É reconfortante verificar pela foto, por mim colhida em 2007, que o nosso PRÉDIO, ao contrário de outros equipamentos da cidade ainda continua de pé, igualzinho ao que estudei no período de 1950 a 1954. Só a pintura externa mudou, pois naquele tempo era todo cinza e hoje está de amarelo. O grande mistério da época era se saber quem fora a figura de César Zama que dá nome ao Prédio. Ninguém na cidade sabia de quem se tratava, nem mesmo as professoras. Acredito que até hoje a grande maioria da população da cidade não saiba quem foi César Zama. Após algumas pesquisas descobri que seu nome completo era ARISTIDES CÉSAR SPÍNOLA ZAMA, nascido na cidade de Caitité (BA), em 19 de novembro de 1837, único filho de Rita de Souza Spínola e do médico italiano César Zama (de Faenza). Após se graduar em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia, alistou-se na Guerra do Paraguai onde teve intensa atividade no atendimento aos feridos. Ao retornar da guerra dedicou-se à vida política na Bahia e no Rio de Janeiro. Foi Deputado Provincial no Império, por vários mandatos e Constituinte na República. De notável cultura, polemizou várias vezes com Ruy Barbosa e publicou, como historiador, dois volumes sobre Júlio César, Aníbal e Alexandre, generais da antiguidade. Morreu em Salvador, aos 21.10.1906, com 69 anos.

Inaugurado em 1937, ano do centenário do seu patrono, o "Prédio César Zama" não era um empreendimento pequeno, pelo contrário apresentava grande magnitude sendo, ao lado do prédio da Prefeitura e de algumas casas particulares, uma das mais belas construções de Xique Xique, suficiente para atender a demanda estudantil da época. É constituído de quatro salas de aula abrigando 8 professoras nos turnos de manhã e tarde e, naquele tempo, ensinar no "Prédio" era uma distinção para poucas professoras e somente as mais antigas conseguiam esse privilégio. Minha Mãe, Profa. Maria Custódio Chaves, conhecida como Profa. Neném, foi uma das 8 que o inauguraram no ano de 1937 e ali lecionou até quando se aposentou. Ao lado dela figuraram outras ilustres mestras: Profa. Honezinda Teixeira da Rocha, Profa. Emídia Magalhães, Profa. Zilda Andrade Rodrigues (Profa. Divininha), Profa. Litinha Soares, Profa. Nívea Pinheiro Leite, etc.

Como era a única Escola Pública e ministrava o principal curso primário da cidade, ali estudavam crianças ricas e pobres, negras, brancas e morenas, católicas e protestantes. Não havia distinção de classe, cor ou religião. Mas, havia algo que distinguia as crianças umas das outras, e, involuntariamente, determinava a categoria social de cada uma delas. Esse algo eram o fardamento e o material escolar.

Explico. Não que houvesse uma farda escolar para os ricos, uma para os pobres e outra para os remediados. Não, não era isso. Todos os meninos usavam calça curta de brim azul, com suspensório feito do mesmo pano, camisa branca e sapato preto e as meninas vestiam saia abaixo do joelho de brim azul com suspensório feito do mesmo pano, blusa branca e sapato preto. E então, onde estava a diferença que as identificava? Estava na forma como esses fardamentos eram feitos. Os meninos e meninas de famílias tidas como ricas usavam, nas calças e nas saias um brim de melhor marca, nas camisas e blusas um tecido de algodão da melhor qualidade, sendo que essas fardas eram confeccionadas por boas costureiras ou mesmo até alfaiates e também usavam os melhores sapatos que se podiam adquirir na cidade ou mesmo em Salvador. Os mais pobres como sempre, adquiriam, nas lojas locais os tecidos mais baratos e eles mesmos confeccionavam os fardamentos para os filhos e nas sapatarias compravam os sapatos, também mais baratos ou mesmo alpercatas. Então, pelo tipo de tecido das fardas e pela qualidade na confecção das mesmas, bem como pelo sapato utilizado, poder-se-ia, facilmente determinar qual a classe social do aluno ou aluna do Prédio.

Mas, o que mais identificava a classe social dos meninos e meninas, era, sem dúvida, a exibição do material escolar de cada um. Xique Xique naquele tempo não tinha livraria e nem papelaria que prestasse. Se alguém quisesse algum material escolar diferente e de boa qualidade teria que trazer de Salvador. As papelarias locais vendiam o mínimo minimorum, exclusivamente aqueles materiais indispensáveis para o ano letivo, solicitado pelas professoras e que poderiam ser adquiridos por todos os alunos. O material escolar, daquele tempo, basicamente, era composto de um livro de leitura, livro de ciência, livro de história, livro de instrução moral e cívica, livro de matemática e tabuada, cadernos pequenos, grampeados, de 30 folhas, marca "2 de julho", para cópias e ditados, lápis preto, caixinha com 6 pequenos lápis de cor, pena e tinteiro para escrita e uma “pedra” para fazer contas das 4 operações. Essa “pedra”, que até hoje tenho a minha, era uma lousa de ardósia de 0,5 cm de espessura, com dimensões aproximadas de 20 cm x 15 cm, na qual se escrevia utilizando-se uma haste roliça da mesma ardósia. Terminada as contas a “pedra” era lavada e reutilizada durante todo o ano, a não ser que caísse e se estraçalhasse no chão.

Pois bem, aí nesse material estava a outra grande diferença entre os alunos do "Prédio". Minha mãe que também alí era professora, ante a dificuldade financeira que tínhamos, adquiria nas papelarias de Xique Xique o material escolar mínimo necessário que seria utilizado por mim e por meu irmão.

Lembro-me bem de um fato comigo ocorrido relacionado com o material escolar "LAPIS DE COR". A caixa de lápis de cor vendida no comércio de Xique Xique e aceita pelas professoras era uma caixa pequena com apenas 6 (seis) lápis de cor com tamanho correspondente à metade de um lápis para escrever. Era essa caixinha com 6 pequenos lápis de cor que a Profa. Neném comprava para o meu uso durante todo o ano. Quando iniciei o 3º ano primário, em 1952, com a Profa. Zilda Rodrigues de Andrade (Profa. Divininha), tinha entre os colegas a filha de um servidor público federal cuja remuneração estava bem acima da média da renda familiar da cidade. Na primeira oportunidade em que os alunos se reuniram para utilizar os lápis de cor, estando eu muito satisfeito com a minha caixinha de 6 lápis, eis que a colega exibe uma enorme caixa com 36 (trinta e seis) lápis de cor, todos grandes. A exibição dessa preciosidade foi muito impactante para todos, principalmente para mim porque eu nunca tinha visto tal coisa e não sabia que existiam tantas cores. As minhas 6 cores sempre foram suficientes para os meus trabalhos coloridos. Mas, sem muita delonga, as crianças se recompuseram e passamos a gastar os lápis coloridos da colega, pois o pai dela tinha dinheiro e gosto suficientes para comprar aquela caixa de lápis de cor para a filha única.

Pois bem, foi nesse ambiente e nesse Prédio que fiz todo o meu curso primário no período de 1950 a 1954. Nos anos 1950 e 1951, 1º e 2º anos o curso foi muito desordenado, pois tive várias professoras nesse período e posso dizer que o aproveitamento não foi dos melhores. Como a área de recreação do "PRÉDIO" era muito pequena, como é até hoje, no intervalo das aulas a grande maioria dos alunos e alunas ia brincar no meio da Avenida que nessa época era destituída de calçamento. Como não existiam veículos automotores na cidade, o risco de atropelamento praticamente não existia. Assim, os meninos brincavam de jogar futebol e as meninas de jogar voleibol. Terminado o intervalo estávamos todos muito suados e sujos de terra e era assim que assistíamos as ultimas aulas.

Também, não havia muita criatividade por parte das professoras do PRÉDIO. Não me lembro de haver participado de alguma festinha escolar que envolvesse todo o corpo discente e docente do César Zama. O único evento que movimentava o Grupo Escolar era o 7 de setembro, dia em que desfilávamos pelas principais ruas da cidade em comemoração da independência. Também a grade curricular era muito árida e apresentava certa complexidade. As professoras eram obrigadas a nos ensinar história do Brasil e Geografia Geral, sabíamos de cor as capitais de todos os Estados do Brasil bem como as capitais de todos os países das três Américas e da Europa. No entanto, nada estudávamos do Estado da Bahia e nem da Bacia do Rio São Francisco tão importante para a nossa Região. Mas, isso não era culpa das professoras, pois elas tinham que seguir o programa elaborado pela Secretaria de Educação da Bahia. No entanto, apesar dessa grade, saíamos preparados do Curso Primário e prontos para enfrentar o Exame de Admissão ao Ginásio, que na grande maioria dos casos era realizado nos colégios de Salvador, pois Xique Xique não contava com o Curso Ginasial e, deve ser registrado, nenhum aluno xiquexiquense foi reprovado nesse exame, que ao contrário do que muita gente pensa, era tão importante quanto um vestibular nos dias de hoje. E assim a gente ia levando o Curso Primário, na condição de privilegiados por estar estudando no "Prédio" e recebendo aulas de professoras competentes, a maioria formada pelo Colégio Santa Eufrásia, na cidade da Barra.

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