domingo, 18 de dezembro de 2011

Crônica - Minha Vida Bancária: RICARDO BURRINHA




De 1964 a 1995, trabalhei como bancário numa instituição financeira federal e, no exercício da minha profissão, percorri os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Ceará, onde me aposentei, tendo fixado residência em Fortaleza.
Durante esse período de 31 anos assisti e participei de muitas coisas que aconteceram dentro e fora das Agências Bancárias, tendo registrado algumas delas, as quais passo a divulgar, por interessantes. Os nomes dos colegas e das Agências não são divulgados por questão de ética.



A "BURRINHA"

Juarez Morais Chaves
Ricardo de Tal conheci quando trabalhei numa determinada Agência de capital, como Chefe do Setor de Crédito Rural.
Era colega de fino trato, muito cortez e que trabalhava na área do Setor encarregada de fazer os registros contábeis da movimentação diária dos empréstimos rurais.
Era ele que praticamente fazia, sozinho, todos os lançamentos contábeis de Diário e Caixa que alimentava o Setor de Contabilidade da Agência.
Elaborar, diariamente, lançamentos contábeis era uma atividade árida e sem nenhuma emoção, um trabalho feito quase que mecanicamente e por isso somente as pessoas abnegadas e vocacionadas realizavam a contento tal tarefa.
Não que o trabalho de contabilidade seja sem importância ou de segunda categoria. Pelo contrário o registro contábil é tão necessário que as instituições bancárias somente iniciam o expediente com a balancete do dia anterior concluído.
Hoje, naturalmente como as informações da contabilidade estão em bancos de dados essas tarefas são informatizadas e o registro está todo sendo feito pelos computadores.
Mas, naqueles idos de 1972 os lançamentos contábeis eram feitos um a um com a datilografia, de cada lançamento, individualmente, devendo em cada um deles constar o histórico da partida e as devidas contas devedora e credora.
Era um trabalho artesanal pois a pessoa encarregada de fazer o registro contábil da movimentação diária tinha que ter conhecimento do plano de contas do Banco e saber contar a "estória" de cada lançamento.
Por isso esse trabalho braçal, apesar da grande importância, era, geralmente, transferido para os funcionários recém admitidos que ficavam com o “castigo” até chegar outro novato.
Nessa ocasião, o funcionário veterano ansioso para transferir o encargo, passava ao novato as informações de como fazer cada lançamento e esperava que o coitado assimilasse todo o plano de contas de uma só vez.
Assim, para não ser chamado de burro, o pobre novato, por conta própria, conseguia juntar algumas cópias de lançamentos feitos para servir de modelos nos seus futuros trabalhos.
Isso era uma prática até estimulada pelo funcionário que estava transmitindo o serviço para que o novato não estivesse constantemente o incomodando com pedido de orientação sobre como fazer cada lançamento.
Mas, Ricardo, que de burro não tinha nada, muito pelo contrário, esmerou-se na elaboração desses modelos contábeis, chegando a fazer um dossiê completo sobre todos os possíveis lançamentos que poderiam ocorrer no Setor Rural, indicando minuciosamente o nome das contas e respectivo código bem como todo o histórico.
Era, pode-se dizer, um MANUAL DE PARTIDAS CONTÁBEIS. Não sei se foi ele o autor da denominação, mas essa importante pasta era, também, denominada de "BURRINHA".
Éra sabido que todos os funcionários da Agência fizeram a sua “burrinha” pois era importante que demonstrassem ter aprendido o trabalho que lhe fora confiado e, a “burrinha” era uma indispensável companheira nessas horas para não se estar importunando os veteranos com as mesmas dúvidas todos os dias.
Eu, como os outros, também fiz a minha “burrinha”, muito bem elaborada, diga-se de passagem, mas que ficava bem guardadinha dentro da minha gaveta e eu e somente eu tinha acesso e podia fazer as consultas diárias.
Mas o colega Ricardo trabalhava diferente. Ele tinha orgulho da sua “burrinha” e, quando iniciava o expediente era a primeira coisa que saía da gaveta e ficava, em local de honra, ornamentando a sua mesa de trabalho.
Pelo tempo que tinha na elaboração dos lançamentos diários já estava tão prático que nem mais consultava a “burrinha”, mas lá estava ela sempre de plantão e fiel a disposição do dono.
Talvez por isso, por esse amor explicito à sua “burrinha” o Ricardo, mesmo sendo um profissional competente em escrituração contábil do Crédito Rural, não tendo nenhum registro de devolução pelo Setor de Contabilidade da Agência de alguma partida feita por ele, era conhecido entre os colegas como RICARDO BURRINHA.
Era um apelido injusto, se levado para o sentido pejorativo pois a sua “burrinha” por estar sempre à vista de todos, era mais utilizada pelos outros colegas que tinham dúvidas do que pelo próprio Ricardo que já era “doutor” no assunto.
Mas, ele nunca se incomodou e nem ficava enciumado pelo manuseio diário da sua “burrinha” pelos colegas mais necessitados e aquilo era, para ele, motivo de orgulho saber que aquele "dossiê" feito com tanto carinho e dedicação continuava servindo a todos os colegas daquela agência bancária.

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