domingo, 8 de julho de 2012

Crônica: MINHA VIDA BANCÁRIA - Canário Belga

O CANÁRIO BELGA
          Juarez Morais Chaves

 Assumi a Chefia do Crédito  Rural da Agência do BNB em  Simão Dias (SE)  em setembro de 1969, exatamente na semana da  Exposição Agropecuária da vizinha  Lagarto (SE), distante 25 km, que, naquele tempo, já era considerada uma das principais cidades  de Sergipe com uma grande criação de bovinos das raças Nelore e Indubrasil. Era  a maior exposição anual de gado do interior daquele Estado.
Cheguei à Simão Dias, com minha família, num domingo a tarde e só tive tempo de jogar os móveis dentro da casa que tínhamos alugado  e deixar para  desembalá-los no final da exposição, o que aconteceria na sexta-feira seguinte. Arrumei  o mínimo necessário para passarmos a semana, pois, já no dia seguinte, segunda feira, partiria para a cidade de Lagarto no carro do gerente da Agência. Apesar da pequena distância de 25 km decidimos  ficar almoçando no parque de exposição, vez que, não obstante a pequena distância, a precária estrada de barro estava impraticável pelas recentes chuvas e não era prudente darmos 4 viagens por dia. Deveríamos estar de volta a Simão Dias lá pelas 18 horas.
Lagarto (SE) era a cidade pólo daquela região agropecuária, situada num município  detentor de excelentes pastagens e de um plantel de bovinos capaz de fazer inveja aos melhores criadores do Brasil. Vinha gente de todos os recantos, expor os seus animais, comprar novos reprodutores e matrizes ou mesmo apenas passear e conhecer os melhores espécimes das raças Nelore e Indubrasil.
Ao lado dos animais expostos dezenas de outras atividades correlatas eram apresentadas com predominâncias de artefatos de madeira de lei feitos pelos melhores  carpinteiros e marceneiros da região, tais como  equipamentos  para casa de farinha ou mesmo currais, bretes e seringas bastante utilizados pelos pecuaristas no manejo do gado. Ali também se encontrava toda espécie de frutas da região, comidas típicas, folclores dos mais diversos  que se espalhavam pela grande área do Parque Agropecuário e   enchiam as manhãs, tardes e noites dos visitantes no decorrer daquela semana.
Os bancos financiadores  dispunham de bons locais de funcionamento colocados a disposição pela Prefeitura onde ficavam instalados os funcionários, maquinas e material de expediente para atender a toda a demanda da feira. A intenção era resolver tudo no decorrer da semana inclusive fazendo a liberação do dinheiro para o vendedor do gado evitando assim que os expositores de fora tivessem que permanecer na cidade por mais uma semana com gastos de estada.
Quando uma pequena folga permitia  saiamos em passeio pelo Parque   cuidando, no entanto, de deixar um ou dois funcionário de plantão para atender algum agropecuarista que procurasse o Banco.
Foi numa dessas caminhadas que eu me detive num estande de um expositor  conhecido que vendia equipamentos de madeira destinados a montagem de casas de farinha. Era o melhor marceneiro da região e suas mercadorias eram as mais procuradas. Estava  conversando com o famoso marceneiro quando a minha atenção foi desviada  pelo canto mavioso de um canário belga, branco avermelhado  que, sem se importar com a grande aglomeração de pessoas ao seu redor  exibia a sua melhor performance. 
Ou será que fazia isso exatamente pela grande platéia que o cercava, já que na tela da gaiola estava afixada uma placa informando que estava a venda? Não sei. Talvez quisesse mudar de dono.
  Sempre gostei do canto do belga e, estava realmente procurando um espécime cantador e aquele havia me enchido as medidas. Mas, sabia também que existem pássaros canoros que somente exibem o seu canto em determinados lugares. Se removidos entram  num solene silêncio.
Assim, desejando comprar  aquele pássaro mas querendo, também, fazer um teste com o dono, perguntei-lhe se  aquele canário  cantava em qualquer lugar ou apenas no estande. O marceneiro que também era famoso na região como excelente criador de canários belgas não gostou da minha insinuação e na presença de todos os que ali estavam desafiou-me: “Seu Juarez, esse é o melhor canário que já criei. Já recusei um dinheirão por ele aqui na feira. Estou até disposto a não mais vendê-lo. Mas como é para você a gente faz uma aposta.  Levo o canário e coloco na parede da sala onde está o Banco. Se dentro de 5 minutos ele não cantar igual o que está cantando aqui, o canário é seu, mas, se cantar  você me paga  o valor que estou vendendo”.
Era um valor  relativamente alto para um canário, mas  desejando adquirir o bichinho que era realmente bom  e ainda com a possibilidade de o belga não cantar dentro do Banco, topei a parada.
Foi uma procissão. Tinha para mais de 20 pessoas seguindo o carpinteiro que à frente e com a gaiola na mão, imitando um garção, se dirigia ao Banco. Sem muita arrumação colocou a gaiola no primeiro prego que encontrou na parede e marcamos  os longos 5 minutos. Longos para mim mas creio que rapidíssimos para o dono do canário. A orientação, dada pelo próprio dono do canário, era que o ambiente continuasse  como era, todos falando e fazendo os negócios bancários.
Passou o primeiro minuto registrado com gritos por todos os presentes. Passou o segundo, também com manifestação. Passou o terceiro minuto, também comemorado. Durante todo esse tempo, um século para mim enquanto que podia ver a ansiedade estampada no rosto do marceneiro, o canário apenas olhava para todos, totalmente desinformado e alienado do que estava passando a sua volta.   
Entra no quarto minuto e o canário começa a se movimentar dentro da gaiola deixando a posição estática e observadora que vinha mostrando. Esgotou-se o quarto minuto e entramos no quinto minuto. Intimamente já me considerava dono do canário quando para meu desgosto – ou alegria? – o pássaro  inicia o melodioso canto que a alguns dias vinha encantando todos os que frequentavam a barrada do seu dono.
Nada mais tinha a fazer. Emiti o cheque e paguei o preço exigido pelo marceneiro.
Fiquei com esse canário até o dia em que fui transferido para a Agência de Aracaju. No momento da minha saída dei-o de presente ao filho da empregada que era na realidade quem tomava conta, limpava a gaiola e dava comida.
O garotinho não acreditou no grande presente. 
Pensou que eu estava brincando. 


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